7/12/2018. As estimativas para a subida das vendas de carros elétricos não param de ser revistas em alta. A última que ouvi dizia que, daqui a seis anos apenas, se vão vender quinze vezes mais veículos eletrificados (elétricos e híbridos) do que hoje. Algumas marcas já anunciaram datas para o fim dos motores de combustão interna, ou seja, quer se queira quer não, o futuro dos automóveis vai passar pelos elétricos e híbridos, disso já não restam dúvidas.

Imposto vai cair

Mais carros elétricos equivale a maior consumo de electricidade e menor consumo de gasolina e gasóleo, pelo menos a nível local. E aqui se abre um tema de que se tem falado pouco, o do imposto sobre os produtos petrolíferos , o famoso ISP. Não é preciso fazer muitas contas para perceber que, quando o consumidor abastece o seu carro de gasolina ou gasóleo, mais de metade da quantia que vai pagar à caixa é imposto, não é combustível. Leu bem: mais de 50% daquilo que paga quando compra combustíveis, é imposto que vai para o Estado.

Portugal tem a quinta gasolina mais cara e o décimo gasóleo mais caro da Europa

Isto faz do ISP o “campeão” dos impostos no nosso país, segundo contas do “Dinheiro Vivo” em 2016 valeu, nada menos do que, 8% do total das receitas fiscais. É o imposto que mais dinheiro dá ao Estado.
É por isso que, no “ranking” dos custos dos combustíveis nos vários países europeus, Portugal tem a quinta gasolina mais cara e o décimo gasóleo mais caro. Se cruzarmos isto com o nosso nível de vida, tiramos conclusões, no mínimo, deprimentes…

Como recuperar a receita?

Voltando ao princípio: os carros elétricos vão provocar uma descida na venda da gasolina e do gasóleo, a médio ou a longo prazo. Quando isso acontecer, o Estado vai ver a galinha do ISP deixar de pôr ovos de ouro. Vai perder receita. Como vai compensar essa descida?…
A questão já se colocou noutros países, como é óbvio. A primeira tentação foi taxar a eletricidade que serve para carregar os carros elétricos, subindo o preço nos carregadores públicos. Mas depressa se concluiu que, fazendo isso, os postos de carga para automóveis ficavam às moscas e os utilizadores iriam carregar os seus carros elétricos nas fichas das habitações ou dos escritórios, nem que fosse preciso fazer uma puxada. Lá se ia a taxa…

Muitos benefícios

Neste momento, os carros elétricos têm muitos benefícios, ao ponto de se poder dizer que, por comparação, o utilizador de um carro a gasolina ou gasóleo está a ser penalizado. O primeiro não paga ISV, não paga IUC, só vai pagar a energia que consome a partir de Janeiro e não paga ISP. O segundo paga tudo e ainda o estacionamento nos parquímetros.

A ideia é simples: tem que se criar um novo imposto!… Que é como a maioria dos governantes resolve qualquer problema

O conceito do utilizador/pagador, que foi tantas vezes invocado para a questão das portagens das autoestradas, terá que ser aplicado aqui também. E a ideia é simples: tem que se criar um novo imposto!… Que é como a maioria dos governantes resolve qualquer problema. Às vezes corre mal, como se viu em França com os coletes amarelos, mas na maioria dos casos, a manobra passa despercebida e o Estado arrecada mais uns milhões.

Imposto de circulação

Esse novo imposto é, na verdade, uma nova versão do imposto de circulação, só que muito mais refinado, mais caro e muito mais controlado. No Reino Unido, que está a estudar esta hipótese a fundo, a ideia é que, no futuro, todos os automobilistas fiquem em pé de igualdade, quer tenham carros com motor de combustão interna ou elétricos. Vão pagar um imposto de circulação em função dos quilómetros que percorrem por ano. Ou seja, quanto mais usarem o carro, mais pagam. Parece uma solução justa e, provavelmente, será adotada. Mas tem alguns problemas.

Vamos aos detalhes

Em primeiro lugar, é preciso uma fase de transição, em que o imposto sobre os produtos petrolíferos comece a descer enquanto o novo imposto de circulação sobe. Os economistas e as folhas de Excel, terão todo o gosto em resolver isso.
Depois há as assimetrias regionais: quem mora nas cidades e precisa de fazer menos quilómetros por dia, fica beneficiado, face a quem vive na província, onde tudo fica mais longe e necessita de fazer mais quilómetros no dia-a-dia. Como é que os governos vão resolver isto? Já veremos uma hipótese, mais à frente.
Outros problema é o controlo da quilometragem feita por cada carro. “Martelar” o conta-quilómetros vai voltar a ser um assunto na ordem do dia, que as autoridades têm que contornar. Há várias hipóteses. A primeira será através de sistemas mais refinados que possam controlar os quilómetros e o possível falseamento do conta-quilómetros, durante as inspeções periódicas obrigatórias. Não me parece um sistema infalível e vai obrigar os IPO a investir.

Caixa negra

A segunda hipótese, seria a instalação de um sistema eletrónico autónomo em cada carro. Uma “caixa negra” que pudesse registar autonomamente os quilómetros percorridos. Uma solução delicada, pois pode entrar em conflito com questões de direito à privacidade.
Depois há o “problema” de, aos olhos do público, se tratar de mais um imposto, mas essa parece a questão mais fácil de resolver. Ainda seguindo a discussão que está a acontecer no Reino Unido, uma hipótese em estudo é a “oferta “ de 3000 milhas gratuitas por ano, só começando o novo imposto a ser pago a partir dessa quilometragem anual.

Este bónus de quilómetros anuais oferecidos seria maior para quem vive na província (minorando assim as assimetrias regionais) e para quem usa um carro elétrico, menos poluente.

Conclusão

Seja qual for a solução para a previsível descida da receita do ISP, o que me parece certo é que o Estado não vai abdicar dos 40 mil milhões de euros que este campeão dos impostos gera por ano. Um novo imposto é mais do que certo, começando os carros elétricos a deixar de ter só vantagens fiscais e incentivos, para começarem a pagar impostos como os outros. Só resta saber quando será necessário fazer esta mudança. Mas conhecendo o apetite devorador de impostos do Estado, o mais certo é que comece antes mesmo de ser preciso.

Francisco Mota

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