24/05/2019. Os ecrãs táteis obrigam a desviar a atenção da estrada e acabam por gerar acidentes, mas não há lei que os regulamente. Não são só os smartphones a causar distrações…

 

O recente anúncio de que a Polícia iria estar mais atenta aos condutores que usam o smartphone enquanto conduzem, deixou-me a pensar no tema mais vasto das distrações ao volante.

“Se conduzir, não beba” dizia uma das melhores campanhas de sempre a favor da segurança rodoviária. Parece-me que chegou a altura de uma campanha “Se conduzir não use o smartphone.”

O problema é que isso não chega. A quantidade de distrações oferecidas ao condutor de um carro moderno vai muito além do seu telemóvel.
A começar pelos monitores dos chamados sistemas de “infotainment” que controlam tudo o que esteja relacionado com informação e entretenimento… e muito mais.

Ecrãs táteis ao poder

Com a crescente substituição dos botões “físicos” por monitores táteis, o condutor deixou de poder usar a memória tátil para ajustar uma dada função através de um “antigo” botão de rodar ou de pressionar, sem ser preciso estar a olhar para ele.

No passado, após algum tempo de habituação, qualquer condutor conseguia fazer tarefas simples ao volante, sem ter que desviar os olhos da estrada: a memória tátil chegava para os dedos encontrarem o botão e o movimentarem consoante as necessidades. Autorádios e sistemas de climatização eram bons exemplos disso.

Mas, com os monitores táteis, tudo isso mudou. Um monitor tátil tem uma superfície totalmente lisa, onde aparecem botões virtuais, por isso é obrigatório desviar os olhos da estrada para ver onde os dedos têm que ir tocar. E isso é perigoso.

Quatro campos de futebol às cegas

Façamos umas contas básicas. Num carro a andar a 50 km/h, um desvio de atenção da estrada de 30 segundos, equivale a mais de 400 m percorridos, o equivalente a quatro campos de futebol. Durante essa distância, o carro continua a andar a 50 km/h, mas ao seu volante não vai um condutor atento.

A tarefa que a maioria dos condutores tem mais dificuldade em fazer num monitor tátil é a programação de um destino no sistema de navegação. Estima-se que, em média, isso demore cerca de 40 segundos. Mesmo que o condutor vá deitando uma olhadela à estrada enquanto mexe na navegação, a sua atenção não vai toda para a condução.

Na verdade, estudos indicam que um desvio do olhar da estrada de apenas dois segundos, duplica a probabilidade de acidente. Na minha opinião, pode ser muito mais do que isso, dependendo do local por onde se está a circular.

Não há lei para os ecrãs

Apesar de o automóvel ser das máquinas com maior quantidade de regulamentações que tem de cumprir, para já não existem mais do que recomendações em relação aos monitores táteis. Um retrovisor tem que cumprir normas, um sistema de infotainment, não tem…

Alguns construtores tentaram vias alternativas de controlo desses sistema, que não a tátil. Por exemplo com botões rotativos e teclas de atalho, caso do iDrive da BMW. O seu efeito no desvio do olhar é ligeiramente melhor, mas não no desvio da atenção.

Outros tentaram adaptar os “touchpad” dos computadores aos carros, como a Lexus, mas o controlo do cursor é tudo menos intuitivo, mais ainda em andamento.

A BMW também incluiu nos seus carros alguns comandos por gestos, que o condutor deve fazer à frente do monitor, sem lhe tocar. Mas as funções assim comandadas são poucas e o sistema não é fiável.

Comandos por voz são enervantes

Em paralelo, os comandos por voz foram sendo incluídos por quase todos os construtores, mas continuam a exigir um dialeto próprio, muitas vezes não entendem o que os condutores dizem, ou fazem outra coisa diferente daquela que se lhes pediu.

É verdade que não obrigam a desviar os olhos da estrada, mas os condutores acabam por precisar de mais tempo para desempenhar a mesma tarefa e acabam por se enervar com a dificuldade de utilizar a maioria dos sistemas.

A Mercedes-Benz deu um salto importante nesta área com o novo Classe A, esperando-se pela evolução do sistema para ver se poderá ser a melhor solução.

Consumidores viciados nos táteis

Mas a verdade é que os consumidores querem os monitores táteis e estranham quando não o são. Já tive passageiros dentro dos carros que ensaio a tocar em monitores que não são táteis e a ficar quase indignados pelo “atraso tecnológico”. Porque acontece isto?

A resposta é óbvia: a cultura dos smartphones está de tal maneira enraizada que agora tudo o que tenha um monitor é de esperar que seja tátil. A BMW, só para dar um exemplo, continua a ter o seu iDrive – um botão que se roda e se inclina, para navegar no sistema de infotainment – mas os monitores passaram a ser também táteis, porque os compradores assim o exigem.

Bloquear funções

Há dois anos, a Universidade do Utah, nos EUA, fez um estudo sobre este tema e confirmou tudo isto, através de testes que fez com várias dezenas de carros e de condutores.

A sua premissa foi a de que nenhuma tarefa deveria desviar mais a atenção da condução do que ouvir a rádio. Mas a conclusão foi que não havia uma solução aceitável, para um condutor poder fazer algumas tarefas enquanto conduz.

A sua recomendação foi que algumas dessas tarefas ficassem pura e simplesmente bloqueadas pelo sistema, quando o carro está em andamento. A começar pela definição de um destino no sistema de navegação, mas também a consulta de redes sociais, navegação na Internet ou o envio de mensagens. Nada disto foi feito, entretanto.

Táteis são mais baratos que botões

Do lado dos construtores de automóveis, há uma razão para substituir os antigos botões físicos por monitores táteis: porque são muito mais baratos de produzir. Um botão antigo precisa de moldes de plástico, de molas, de reóstatos, de imensas peças e ferramentas que custam muito mais do que fazer um monitor tátil. Por outro lado, o aspeto “tecnológico” de um monitor tátil é muito mais apelativo aos consumidores atuais do que simples botões de plástico.

Neste assunto, a Tesla e os seus enormes monitores táteis teve responsabilidade na moda de fazer crescer as dimensões. Do mal, o menos, pois assim sempre é mais fácil identificar as várias funções.

Conclusão

Mas esta questão está longe de ser fácil de resolver. Mesmo com legislação que bloqueie algumas das funções não essenciais, durante o andamento, para que o condutor não se distraia, ele terá sempre o seu smartphone à mão para aceder ao Waze ou ao Google Maps. E isso é realmente bem mais perigoso do que usar um sistema de infotainment de um carro.

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