20/5/2022. Esta semana estive no Rali de Portugal e conversei com algumas das figuras mais importantes do WRC. A festa no nosso país deixa sempre toda a gente entusiasmada, mas isso não faz esquecer que o campeonato tem um sucesso muito inferior ao desejado.

 

“Devemos estar a fazer alguma coisa errada…” dizia-me em conversa Malcolm Wilson, o chefe máximo da M-Sport, a famosa equipa que tem a responsabilidade das participações da Ford no WRC.

Wilson tem décadas de experiência no WRC, primeiro como piloto bem sucedido e depois como patrão de uma das estruturas mais relevantes do WRC. É a M-Sport que garante as participações da Ford no campeonato há vários anos.

A M-Sport projeta o Puma Hybrid WRC, faz a sua construção e trata de tudo o resto relacionado com as participações, desde a logística à assistência em prova, contratação de pilotos, enfim, tudo.

A Ford funciona como um patrocinador, nem os motores são oriundos da marca, colocando à disposição da M-Sport algum do seu poderio técnico, como os túneis de ventos e os engenheiros responsáveis pelo software.

Três marcas estão próximas

Das três marcas que participam no WRC ao mais alto nível, é a única que opera desta forma, pois tanto a Hyundai como a Toyota têm estruturas próprias. Mas isso não quer dizer que a competitividade seja muito diferente entre as três.

Noutra conversa que tive com o nove vezes campeão do mundo Sébastien Loeb, que este ano ganhou o Monte Carlo na estreia do Ford Puma e voltou a alinhar em Portugal, com menos sorte, o piloto francês garantia-me que “as diferenças entre os carros das diferentes equipas estão mais na procura das afinações certas para cada rali”.

Grandes mudanças em 2022

Em termos técnicos, o WRC fez uma mudança filosófica este ano. Até 2021, os carros da classe principal eram feitos a partir das estruturas do modelo de série. Claro que infinitamente modificadas, mas com os constrangimentos dimensionais do modelo escolhido, no caso da Ford, era o Fiesta.

Isso acabou para 2022. Os carros são verdadeiros protótipos, com um chassis tubular ultra resistente e depois com uma carroçaria de fibra de carbono que imita as linhas do modelo escolhido pelo marketing de cada marca: Ford Puma, Toyota Yaris e  Hyundai i20.

Segundo o chefe da equipa M-Sport, Richard Millener, para a equipa, essa mudança é mais importante do que a outra que foi feita em 2022: a passagem para um sistema de propulsão híbrido.

Agora são híbridos

O motor 1.6 turbo a gasolina permanece o mesmo do ano passado, mas agora recebe um módulo motor/gerador elétrico que eleva a potência dos 380 cv para quase 520 cv de potência máxima combinada.

Foi uma medida para tentar manter as marcas interessadas no WRC, para tentar acompanhar as tendência do mercado de automóveis atual.

É verdade que os carros de 2022 perderam alguma da sofisticação aerodinâmica que tinham no ano passado, por imposição dos regulamentos que, com isso, pretendem reduzir custos. Aliás, há outras medidas com o mesmo objetivo.

Como na Fórmula 1, há limites para o número de chassis que a equipa pode usar durante o ano, motores, sistemas híbridos, caixas de velocidades, dias de treinos e, claro, pneus. Mas poucos acreditam que isso tenha realmente tido efeito na redução de custos.

Ao vivo… um espetáculo!

A verdade é que, nos troços que tive a oportunidade de ver ao vivo este ano, os carros continuam espetaculares de ver passar. A maneira violenta como aceleram à saída das curvas lentas é muito impressionante e mostra bem o papel do sistema híbrido.

O público, pelo menos em Portugal, continua a comparecer em força. Demonstrando agora um comportamento exemplar, posicionando-se longe da estrada, nos locais designados pela organização. E vibra, como sempre, com a passagens dos carros.

A parte boa do público dos ralis é que o seu entusiasmo é canalizado para a espetacularidade da modalidade. Pelas proezas de que são capazes carros e pilotos. Há uma atmosfera positiva e relaxada, nada a ver com as clubites e as tensões que geram outras modalidades.

O que falta, então?

Com tudo isto, seria de esperar que o WRC vivesse o seu período de maior sucesso. Mas não é assim. Como me dizia Malcolm Wilson, “a Fórmula 1 voltou a ser notícia de várias páginas nos jornais nacionais no Reino Unido, mas do WRC não dão nem uma linha.”

O alcance mediático do WRC fica muito abaixo do esperado pelas marcas. A relação entre investimento e retorno não é suficiente atrativa para trazer para o campeonato mais construtores. Os atuais estão vinculdaos com um contrato de três anos, mas a Hyundai teve dúvidas em assinar até ao último momento.

Boa informação

A divulgação dos ralis do campeonato passa por resumos diários emitidos nos canais de cabo da TV ao final de cada dia de prova. São resumos muito profissionais, muito bem feitos e que traduzem perfeitamente as particularidades do WRC.

Também existe um site oficial que acompanha cada prova quase minuto a minuto e que estende a sua presença para as redes sociais. Não falta informação, oficial e de boa qualidade.

Mas o público não adere como todos os envolvidos desejariam. Claro que um rali não é uma corrida em circuito. E isso dificulta, por exemplo, a transmissão em direto, que existe apenas para alguns troços.

Em Portugal, a RTP 1 faz um bom trabalho a esse nível, mas a estrutura dos ralis não permite muito mais. Não é como a Fórmula 1, em que uma corrida se resolve em menos de duas horas à volta num circuito.

O WRC é uma modalidade de proximidade, de rua. Fora dos troços competitivos, os carros fazem centenas de quilómetros por estradas comuns, no meio do trânsito local e isso tem um impacte direto nas populações. Mas apenas uma vez em cada ano.

Como subir audiências?

Como aumentar a audiência do WRC, sobretudo a nível digital? Como convencer novos construtores de automóveis a entrar no campeonato? A resposta não é fácil e será ainda mais difícil até se saber qual o próximo passo em termos tecnológicos.

Depois dos previstos três anos com estes carros híbridos, o que virá a seguir? Seja o que for, não me parece que esse seja realmente o problema principal. A questão é saber como melhorar a divulgação do espetáculo do WRC.

Para a Fórmula 1, a série semi-ficcionada produzida pela Netflix nos últimos três anos fez maravilhas pela modalidade, levando-a a ser um motivo de interesse para audiências de países e de idades que pouco interesse demonstravam antes.

Claro que a visibilidade do WRC nos EUA é ainda menor do que era a da F1, pré-Netflix. O melhor é dizer que é inexistente, pois nem um rali do WRC existe no país. E isso é um problema para uma empresa com sede na Califórnia.

Conclusão

Será que uma série da Netflix poderia ser a saída para o WRC? Histórias não faltam, ainda mais do que na F1. Só a atual disputa entre os dois Seb daria para vários episódios. A ascendência de Kale Rovanperä ao topo é ainda mais fulgurante e semi-ficcionável que a de Verstappen. Certamente que já existiram conversas nesse sentido, resta ver se vão dar algum resultado.

Francisco Mota

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Crónica – WRC 2022: O que têm em comum os carros de ralis e os de série?