4/2/2022. Herbert Diess, o CEO do Grupo VW, deu uma entrevista onde falou sobre as dificuldades da transição energética. Alguns tiraram daí a conclusão que Diess tinha dito que os elétricos “são impossíveis na Europa”. Mas será que foi mesmo isso que Diess disse?…

 

Herbert Diess deu uma longa entrevista ao conceituado site Norte-americano The Verge, onde abordou muitos dos temas relacionados com a transição energética e na qual confirmou que o Grupo VW tem sido o que mais investimento tem feito neste tema.

Mas detalhou também as dificuldades do processo e colocou em causa os prazos estabelecidos por alguns governos – e até por algumas marcas suas concorrentes – para o fim da produção de carros com motor de combustão, que considerou “impossíveis de atingir”.

Daqui a ver títulos do estilo “Elétricos na Europa são impossíveis” foi um passo, que alguns editores não tiveram problema em transformar num salto em direção à “ditadura” das visualizações.

A entrevista ao “The Verge”

Tendo em conta todo o dinheiro e o empenho que a VW está a gastar na eletrificação – com o sucessivo lançamento de novos modelos elétricos em todas as suas marcas e quase todos os segmento – desconfiei que fosse esse o sentido das declarações de Diess.

Por isso, fui à procura da entrevista, cuja leitura na íntegra pode fazer seguindo o link no final desta crónica. Aconselho vivamente, pois é uma das mais completas dadas por Diess, ou por qualquer outro líder da indústria automóvel, sobre a fase que atravessamos.

A VW está longe de dizer que os elétricos são “impossíveis na Europa”

Ao ler a entrevista, muito bem conduzida por Nilay Patel, fica claro que Diess está longe de pensar que os elétricos são “impossíveis na Europa”. Pelo contrário. Mas a verdade não dá um título tão apelativo. A verdade de Diess é bem mais complexa.

O que Diess… disse

O que Diess disse (perdão pelo trocadilho, mas é irresistível…) foi que os prazos anunciados por alguns governos e por algumas marcas para o fim da produção de veículos com motor a combustão, são muito difíceis de cumprir. E explicou quais as razões para isso.

“Eu penso que o plano para chegar à produção de 50% de veículos elétricos até 2030 é extremamente ambicioso. Partindo da nossa quota de mercado na Europa de 20%, para essa quota de mercado ter 50% de vendas de elétricos, precisamos de seis “gigafactories”. Essas seis fábricas de baterias teriam de estar a trabalhar em pleno por volta de 2027 ou 2028, para podermos atingir o objetivo de 2030. É quase impossível fazer isso.”

“É preciso construir as fábricas (de baterias), é preciso encontrar locais para isso.”

As razões para essa impossibilidade são enumeradas por Diess: “é preciso comprar todas as máquinas-ferramenta, é preciso construir as fábricas, é preciso encontrar locais para isso, é preciso treinar os trabalhadores. É preciso garantir que o fornecimento de matéria-prima está salvaguardado e é de boa qualidade.”

Faltam 30 fábricas de baterias

Esta é a situação da VW, mas considerando a totalidade dos construtores a operar na Europa, tudo ganha outra dimensão: “A Europa precisa de 30 fábricas de baterias. Cada fábrica ocupa uma área de um por dois quilómetros.”

E o segundo passo é ainda mais difícil: “Para passar de 50% da produção de veículos elétricos para 100%, será um desafio tremendo. Não basta dizer, “vamos acabar com os carros de combustão interna”. Isso é impossível.”

Torna-se claro que as declarações de Diess têm como alvo os políticos que definiram os prazos para o fim da produção de carros com motores de combustão interna. O que Diess está a fazer é tentar conseguir um adiamento para esse prazo.

O lóbi da indústria a trabalhar

Está a pressionar a classe política europeia para dar mais tempo à indústria automóvel de se adaptar à mudança. Não está a dizer que os elétricos são impossíveis, está a dizer que o fim da produção dos motores de combustão interna não pode ocorrer tão cedo.

Continuando no seu papel de defender a sua indústria, Herbert Diess acrescentou aquilo que todos sabemos e que é uma responsabilidade dos governantes, a produção de energia elétrica.

Passando a bola para os políticos, Diess relembrou que “os carros elétricos só fazem sentido se a energia vier de fontes renováveis. Enquanto tivermos nações onde a energia elétrica tem origem no carvão, não faz sentido vender carros elétricos.”

“Alimentar carros elétricos com energia oriunda do carvão é pior do que ter carros a gasolina.”

E conclui apontando a responsabilidade da classe política: “Antes de vender carros elétricos, temos que converter o setor primário para 100% de energia renovável. Alimentar carros elétricos com energia oriunda do carvão é pior do que ter carros a gasolina.”

Aliás, Diess até admite que, em alguns países da Europa e alguns estados dos EUA, a transferência energética para fontes renováveis já vai no bom caminho, mas tem que continuar em paralelo com a eletrificação dos automóveis.

Conclusão

Para um grupo que já investiu tanto nos elétricos e que vai investir ainda muito mais, seria impensável voltar atrás e dizer que os “elétricos são impossíveis na Europa”. Talvez esta intervenção da VW, pela boca de Herbert Diess, surja um pouco fora de tempo. Talvez devesse ter sido feita há dois anos, quando o ID.3 foi apresentado. Mas, nessa altura, a prioridade foi passar a mensagem de que os elétricos já eram o presente e encontrar os primeiros clientes.

Francisco Mota

Para ler a entrevista completa, seguir o link:

https://www.theverge.com/22888316/decoder-interview-herbert-diess-volkswagen-nostalgia-ev-self-driving