23/12/2022. Para muitos portugueses, um carro novo seria o presente de Natal perfeito. Nem que o tivessem de pagar do seu bolso. Mas os obstáculos a ser proprietário de um automóvel são cada vez maiores e a tendência é para piorar. Iremos chegar ao ponto em que ter carro próprio voltará a ser o privilégio de apenas alguns?

 

O desejo de ter um carro novo continua bem vivo em muitos portugueses. Não só pelo prazer de ter no bolso a chave de um dos mais recentes modelos à venda no nosso país, mas pelo que representa como instrumento de liberdade de movimentos individual. Seja para lazer, seja para trabalho.

Dizer que as novas gerações se interessam cada vez menos pela propriedade de um automóvel, parece-me um claro exagero. Não tenho visto mais lugares de estacionamento livres à porta das Faculdades, pelo menos em Lisboa.

Mesmo para os que não partilham a paixão pelos automóveis, o momento de receber um carro novo gera sempre alguma emoção. É o momento em que o otimismo com tudo o que está relacionado com a posse de um carro atinge o seu ponto máximo.

Chega o carro novo

Abre-se a porta e lá de dentro vem aquele “cheiro a novo” que todos sabem identificar, mas poucos sabem definir. Depois, os primeiros quilómetros, com todos os comandos a responder de forma afinada, justa, sem folgas.

Mas é um momento que os condutores portugueses têm vivido com cada vez menor frequência, nos últimos anos. As razões são muitas e variadas, mas resumem-se a uma realidade concreta: a descida do poder de compra.

O resultado está à vista de todos, nas nossas ruas e nas nossas estradas

Cada vez é mais difícil comprar um automóvel novo, os preços não param de subir e grande parte dos compradores não viu a retribuição do seu trabalho subir na mesma proporção. O resultado está à vista de todos nas nossas ruas e nas nossas estradas.

Parque envelhecido

O parque automóvel está cada vez mais velho. Há muito que a média de idade dos carros a circular em Portugal ultrapassou a dezena de anos. Sublinho: a média. Basta olhar para as matrículas que ainda têm a data do primeiro registo para encontrar inúmeros carros com vinte anos ou mais a circular.

Segurança a descer, poluição e emissões de CO2 a subir, só por causa do envelhecimento do parque automóvel português. Uma política séria de incentivo ao abate de carros velhos seria o primeiro passo para minorar, em muito, estas três questões. Muito mais depressa do que a vertigem da eletrificação.

Mas essa política não existe, tornando cada vez mais difícil a troca do utilitário com mais de vinte anos por um carro novo, muito mais seguro, muito menos poluente e com menores consumos, o que equivale a menores emissões de CO2.

Menos oferta

Para piorar as coisas, a oferta de carros acessíveis é cada vez mais pequena. Os construtores não os conseguem conceber com a margem de lucro que lhes interessa. Por isso preferem deixar de os fabricar. O fenómeno começou no segmento dos mais pequenos citadinos, que foi dizimado, mas alastrou para o segmento dos utilitários.

VW diz que Polo não será rentável quando cumprir a norma Euro 7

A Ford já anunciou o fim do Fiesta em 2023, a VW disse que o Polo não será rentável quando lhe forem aplicadas as medidas para passar as novas normas Euro 7, colocando em risco a continuação da sua construção. Outros se seguirão.

Fenómeno europeu

O carro pequeno e acessível é um formato essencialmente europeu. Na Índia também existe uma “bolsa de resistência” que está a ser ultrapassada pelos B-SUV, tal como na Europa. No Japão existem os K-Car que só cumprem as normas do mercado local.

O carro pequeno sofre também por isso, por não ter dimensão mundial suficientemente grande de forma a beneficiar do efeito de escala. Mais uma razão para o seu fim. E mais uma dificuldade para quem não pode comprar mais do que o essencial.

A Dacia tem feito da palavra essencial o mote da sua comunicação e os resultados mostram que está no caminho certo para muitos compradores privados europeus.

Mas também tem sofrido com a subida de preços, como seria inevitável e já começou a integrar versões eletrificadas, e mais caras, na sua gama. Como não podia deixar de fazer, para cumprir a média de emissões.

Elétricos muito caros

Neste cenário, a opção pelo carro elétrico está ainda mais distante para a maioria. Não só devido a todas as questões relacionadas com a autonomia e os carregamentos, mas porque os preços dos elétricos ainda estão demasiado altos.

O que vai acontecer ao parque automóvel nacional nos próximos anos? Vai seguramente continuar a envelhecer, se não for implementado urgentemente um plano de incentivo ao abate que permita a quem tem um velho utilitário com mais de vinte anos, aceder a um financiamento realista para a utilização de um carro novo.

Conclusão

A eletrificação do automóvel foi decretada pelas instâncias europeias para 2035, mas até lá é preciso fazer alguma coisa pelo parque automóvel atual, se não queremos que a idade média chegue aos trinta anos, com o que isso implica em termos de poluição. Caso contrário, o sonho de encontrar um carro novo no sapatinho na noite de Natal, não vai passar disso mesmo para a maioria, de um sonho que vai durar muito mais anos.

Feliz Natal!

Francisco Mota

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