9/10/2020. O anúncio chega com o estrondo habitual, como tudo o que vem da Tesla: a marca da Califórnia diz que vai acabar com o seu departamento de RP. Mas será que alguma vez o teve?…

 

A Tesla é tão ou mais eficiente a fabricar notícias como carros elétricos e o método de lançamento de ambos é muito parecido: o líder da empresa, Elon Musk está sempre no centro do palco, seja ele real ou virtual.

Desta vez o anúncio foi que a marca ia liquidar o seu departamento de Relações Públicas (RP), pois tinha percebido que já não precisava dele para continuar a vender carros e a crescer.

A reação de muitos foi que, na realidade, a Tesla não precisava mesmo de RP, pois tinha o seu “exército de fanáticos” – uns proprietários de modelos da marca outros que gostavam de o ser.

Este exército, ou melhor dizendo esta milícia, seria suficiente para defender a marca nas redes sociais e evangelizar os que ainda não são crentes. Dispenso-me de mais aspas, caso contrário esta Crónica à 6ª feira fica com o dobro do tamanho.

Tesla precisa de mais RP, não menos

Não creio que seja assim, apesar de alguns dos meus textos sobre modelos da Tesla terem sido alvo de ataques cirúrgicos de alguns desses entusiastas da marca. Mas isso foi há muito tempo.

À medida que a Tesla vai crescendo e os seus carros se tornaram cada vez mais vulgares – em Lisboa é difícil sair à rua sem ver um Model 3 – os fanáticos deixam de ter razão de existir. A causa já não é de um minoria, muito menos de uma minoria visionária.

Quando se fala em Relações Públicas, há a tendência em confundir isso com relações com a imprensa, área na qual a Tesla nunca fez mais do que os serviços mínimos, pelo menos na Europa. E não me parece que o deixe de fazer nos próximos tempos.

Pode mudar o nome do departamento de RP para outra coisa qualquer, mas se quer os seus futuros produtos divulgados, vai ter que os continuar a ceder aos jornalistas e influenciadores para os testarem, cada um à sua maneira.

É só fazer as contas

É uma questão de fazer contas, como qualquer empresa sabe. Sai muito mais barato contar com os jornalistas e influenciadores para divulgar novos produtos, do que gastar muitíssimo mais do que isso em campanhas de publicidade.

Além do pequeno detalhe de que o público sabe bem a diferença entre uma campanha de publicidade e a opinião do seu orgão de comunicação ou influenciador preferidos.

Com o natural crescimento da concorrência direta, à medida que os contrutores mais antigos se vão aventurando nos carros elétricos, o efeito Tesla vai diluir-se. Vai ser preciso mais RP e não menos, para manter o negócio em boa forma.

O Twitter não chega

Provavelmente, a conta de Twitter de Elon Musk tem mais audiência do que o trabalho que qualquer departamento de RP poderia fazer. Levantando a questão: terá alguma vez existido um departamento de RP?

Mas o trabalho dos criativos que gerem a conta do Twitter de Elon Musk não chega, apesar de ser muito eficiente e de ter muita ressonância na imprensa convencional, o que não deixa de ser irónico. Mas não é por essa via que se lida com questões mais delicadas.

Não é pelo Twitter que se trata de assuntos como as inevitáveis “recalls” de automóveis e o efeito que isso pode ter, se as RP não tratarem de enquadrar devidamente o problema e minorar os danos.

E não vai ser Musk a querer lidar com clientes insatisfeitos, capazes de falar tão alto nas redes sociais como qualquer um dos seus soldados. Esse é trabalho para as RP.

Também não é pelo Twitter que se gerem assuntos sensíveis como os acidentes de modelos da Tesla nos quais fica posta em causa a fiabilidade dos seus sistemas, como já aconteceu com o cruise control automático. Ou com o incêndio de baterias.

Provocação nem sempre é o melhor

E já nem falo nas relações institucionais, que podem, ou não, fazer parte das RP. E sem essas a Tesla nunca teria conseguido começar sequer a pensar em estabelecer uma fábrica na Alemanha, como o está a fazer neste momento.

Elon Musk gosta de provocar, gosta de agitar as águas, gosta de manter a Tesla nas bocas do mundo. É parte da estratégia que tem feito a empresa crescer na Bolsa. E isso não pode parar.

O primeiro resultado desta liquidação do departamento de RP, que começou nos EUA já em Dezembro, foi a fraca divulgação do “Battery Day”, um evento organizado pela Tesla para falar do futuro das baterias e de que poucos meios falaram.

Musk não deixou de fazer saber a sua irritação pelo fraco tratamento que a imprensa deu ao evento, mas isso poderá ter sido já um aperitivo da reação da imprensa à liquidação das RP.

Conclusão

Por tudo isto, este anúncio ao mundo, estrondoso, explosivo, chocante de que a Tesla vai acabar com o seu departamento de relações públicas, porque já não precisa dele, não me parece nem mais, nem menos do que outro dos seus famosos golpes de… Relações Públicas.

Francisco Mota

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