10/12/2021. No seu estilo habitual, o português Carlos Tavares, CEO da Stellantis, vai direito ao assunto e mostra-se zangado com os seus fornecedores de primeira linha, na crise dos semi-condutores. E já arranjou uma maneira de lhes “passar por cima”.

 

A novela dos semi-condutores não parece ter fim à vista, para a indústria automóvel. Os fornecedores destes componentes vitais para os automóveis atuais não têm capacidade suficiente para abastacer todos os construtores.

A origem do problema está em 2020 e na pandemia, quando a produção de automóveis parou e os fabricantes cancelaram encomendas de semi-condutores. Ao mesmo tempo, a indústria da eletrónica de consumo disparou nas vendas e na necessidade de semi-condutores.

As pessoas estavam fechadas em casa mas precisavam de dispositivos eletrónicos que lhes permitissem trabalhar ou ter aulas à distância. Claro está que os fabricantes de semi-condutores se viraram ainda mais para este setor da indústria, que já era o seu maior cliente.

Para o fim da fila

Quando a produção de automóveis retomou, a procura dos consumidores também voltou e com força redobrada. Depois de meses fechados em casa e limitados nos seus consumos, as poupanças atingiram níveis que há muito não se viam.

Daí a decidir comprar um carro novo, foi um passo. Mais ainda porque a vontade de andar de transportes coletivos era pouca, devido à pandemia.

Os construtores de automóveis foram para o fim da fila dos semi-condutores

Só que os construtores de automóveis deparavam-se agora com o problema de terem que ir para o fim da fila, à porta dos fabricantes de semi-condutores. E o problema arrasta-se até agora.

Produção de carros suspensa

Várias marcas tiveram que suspender a produção de certos modelos, os que geram menos lucro ou que precisam de mais semi-condutores, para gerir a falta destes componentes eletrónicos. São cada vez mais as marcas que estão a parar a produção de alguns modelos ou em algumas regiões.

E a questão não parece ter fim à vista, pelo menos durante os próximos seis meses, uma estimativa que facilmente pode resvalar para 2023. Por isso, outras medidas estão a ser tomadas.

Tavares arranjou solução

Carlos Tavares, o português CEO da Stellantis, o grupo que detém 14 marcas de automóveis em todo o mundo, tendo juntado as da PSA com as da FCA, já tomou uma decisão estratégica em relação ao assunto.

Perdeu a confiança nos fornecedores de primeira linha e mostra-se zangado com eles, dizendo que não são capazes de fazer o seu papel e fornecer os componentes de que a indústria necessita.

Tavares arranjou uma solução e fez um acordo com a Foxconn

Em vez de continuar à espera, Tavares já avançou para um acordo com os fabricantes de semi-condutores Foxconn, para fechar contratos de fornecimento direto dos componentes de que necessita, passando assim por cima dos fornecedores tradicionais de primeira linha, os chamados Tier1.

Passar por cima dos Tier1

Estes Tier1 são os fornecedores de primeira linha, que fornecem os módulos pré-montados para muitas áreas de um automóvel. Cabe-lhes negociar com fornecedores de vários componentes primários, para construir os módulos que depois fornecem às linhas de montagem dos construtores de automóveis.

Tavares tem dúvidas acerca do restabelecimento de confiança com os fornecedores Tier1, o que poderá pôr em causa a cadeia de fornecimento de componentes noutras áreas.

Não admira que assim seja, pois o CEO português estima que a Stellantis feche 2021 sem ter fabricado e vendido mais 1,4 milhões de automóveis, só devido à falta de semi-condutores.

Stellantis e Foxconn

Para já, o acordo com a Foxconn, empresa chineses dedicada ao software e semi-condutores, prevê o desenvolvimento e produção de quatro famílias de semi-condutores dedicados especificamente a automóveis e aos elétricos em particular.

Em 2024, uma nova família de semi-condutores para a Stellantis

Estes novos semi-condutores prometem reduzir custos e aumentar a flexibilidade de utilização em diversas áreas do automóvel. Mas trazem ainda uma outra vantagem, que é o facto de a Stellantis passar a ser o principal cliente da Foxconn.

Resolvido 80% do problema

Mesmo antes desta crise, os fabricantes de automóveis já eram clientes muito mais pequenos de semi-condutores do que os fabricantes de eletrónica de consumo, tanto em termos de volume como de complexidade do produto.

Com este acordo, a Stellantis acredita que terá 80% das suas necessidades de semi-condutores resolvidas, a partir de 2024, quando espera que os primeiros lhe sejam entregues pela Foxconn.

É uma data significativa, pois vai coincidir com a entrada ao serviço da nova estrutura eletrónica e de software da Stellantis, a STLA Brain, que será aplicada às quatro novas plataformas que o grupo vai usar para produzir todos os seus modelos elétricos.

O que é a STLA Brain

É uma estrutura de software com alta flexibilidade, um novo grau de possibilidade de atualizações “over the air” e suscetível de ser rapidamente evoluída nos anos seguintes.

Com este acordo, Tavares “passa por cima” dos fornecedores tradicionais que não foram capazes de resolver o problema da falta de semi-condutores. Mas não é o único a pensar desta maneira. Outros construtores de automóveis estão a trabalhar em acordos semelhantes.

A confiança nos fornecedores Tier1 pode nunca ser restabelecida

A crise dos semi-condutores poderá ficar a marcar uma revolução nas relações entre fabricantes de automóveis e os seus fornecedores de primeira linha, os Tier1. Ninguém garante que esta crise dos semi-condutores não possa ser repetida noutra área e noutro tipo de componentes.

Conclusão

Os maiores grupos da indústria automóvel já perceberam que vão ter de inverter a tendência das últimas décadas e depender menos de fornecedores externos, para não voltarem a ficar à mercê de situações como esta. Mas não vai ser uma mudança nada fácil.

Francisco Mota

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