8/1/2022. Esta semana a Stellantis anunciou um acordo com a Amazon de Jeff Bezos. O objetivo é tornar o grupo automóvel numa empresa de tecnologia, líder em mobilidade sustentável. Mas será que o conglomerado liderado por Carlos Tavares estará a fazer um pacto com o diabo?

 

A Amazon é hoje um gigante que ultrapassou de forma inimaginável a plataforma de comércio online, criada por Jeff Bezos na sua garagem, por volta de 1994. O “e-commerce” é hoje apenas uma das suas inúmeras atividades e está longe de ser a mais influente.

O grupo americano incluí múltiplas subsidiárias que operam em áreas tecnológicas como o “cloud computing”, “digital streaming” e a inteligância artificial. Nos últimos anos, tem fornecido “software” e conhecimento a muitas empresas, ajudando-as a fazer a transição para a digitalização.

A Amazon é, hoje em dia, a marca mais valiosa do planeta, tão simples como isso. O seu fundador e “chairman” executivo, Jeff Bezos, é um dos três homens mais ricos do mundo, a posição no pódio varia consoante os negócios de cada ano.

A empresa é considerada uma das cinco mais influentes do mundo, em conjunto com a Google, Apple, Meta (Facebook) e Microsoft. É um tremendo gigante, mas que ainda está em fase de crescimento.

Stellantis é o sexto grupo automóvel

A Stellantis é o resultado da fusão da FCA e da PSA, dois grupos automóveis que agora somam 14 marcas comerciais, nem todas com grande atividade, e que ocupa o sexto lugar entre os maiores grupos automóveis do mundo, liderados pela Toyota, segundo dados de 2020.

A Amazon comprou a Zoox, que fez um táxi autónomo

É conhecido o interesse da Amazon no setor automóvel, tendo comprado a Zoox, uma empresa que desenvolveu concept-car de um táxi sem condutor. Daí a tornar-se num fabricante de automóveis, pode estar um passo que não interessa à Amazon dar, pelo menos para já.

O que lhe interessa é ser um fornecedor e um parceiro dos principais grupos automóveis e foi exatamente isso que a Stellantis anunciou esta semana.

Tavares escolhe Amazon

Carlos Tavares, o português CEO da Stellantis, deu uma tele-conferência para anunciar o acordo. “Graças à inteligência artificial e ao ‘cloud computing’ iremos melhorar a experiência geral dos nossos clientes e transformar o veículo num espaço de vida personalizável, tanto para os passageiros como para o condutor”, disse.

Pode parecer uma afirmação um pouco abstrata, para quem não segue de perto a área “tecnológica” relacionada com “software” e inteligência artificial, mas a Stellantis quer tirar do negócio alguns resultados bem determinados.

Alexa, Kindle e Fire TV são produtos que a Amazon desenvolveu e hoje têm enorme divulgação no mercado. Mas para lá chegar teve primeiro que conceber as ferramentas necessárias, obtendo uma grande experiência em inteligência artificial, “cloud computimg” e “machine learnung”.

Amazon inventa para a Stellantis

Nas palavras de Andy Jassy, CEO da Amazon: “Estamos a inventar soluções que irão permitir à Stellantis reforçar as suas capacidades de conectividade e personalização, de forma a oferecer a cada ocupante um momento conectado e personalizado a bordo do veículo.”

A Amazon vai contribuir para desenvolver a plataforma informática dos próximos carros da Stellantis

Este acordo com a Amazon permite à Stellantis aceder a ferramentas e conhecimento que, de outra forma, demoraria muito mais tempo a obter. E que Tavares considera essenciais e urgentes para levar o seu grupo para uma atividade sustentada pelo “software”.

Para começar, a Amazon vai contribuir para desenvolver a plataforma de software STLA SmartCockpit, a base informática para os automóveis da Stellantis a partir de 2024 e que já tinha sido anunciada há alguns meses.

O que a Amazon vai acrescentar

O que a Amazon vai acrescentar a esta base informática da Stellantis são “aplicações baseadas em IA para serviços de navegação, entretenimento, assistência vocal Alexa, manutenção de veículos, e-commerce e serviços de pagamento” dizem os responsáveis do grupo automóvel.

Na prática, os utilizadores do automóvel têm acesso a uma loja virtual onde podem descarregar as aplicações que a inteligência artificial determinar serem as mais adaptadas a cada utilizador, em cada situação.

A Stellantis avança dois exemplos. Um planeador de viagens, que recomende conteúdos multimédia, locais de interesse ou restaurantes ao longo do trajeto.

E outra aplicação dedicada a modelos como os Jeep, disponibilizando um treinador digital de todo-o-terreno, que ajudará a escolher as melhores regulações do carro para cada situação.

O pacto com o diabo

Note-se que a Stellantis já tem, em alguns dos seus modelos, o sistema Alexa Custom Assistant, através do qual é possível utilizar os sistemas de navegação, ouvir música, podcasts, fazer chamadas telefónicas, gerir agendas, ouvir notícias, verificar as condições meteorológicas e controlar os seus dispositivos à distância.

Mas o acordo vai mais longe e é aqui que a Stellantis poderá estar a fazer um “pacto com o diabo”. As duas empresas vão colaborar ao nível da engenharia para desenvolver novos produtos de software em conjunto.

A Stellantis vai migrar dados para a cloud usando as capacidades da Amazon Web Services

Para isso, a Stellantis aceitou “migrar o fluxo atual de dados automóveis das suas várias marcas e regiões para uma malha de dados baseada na cloud, utilizando as capacidades avançadas da AWS (Amazon Web Services) para analisar e rastrear dados em tempo real” afirma a Stellantis.

O que vai dar em troca?

Para o grupo automóvel, isto significa o acesso a ferramentas e interfaces informáticos que não tem hoje e que lhe permitirá acelerar processos. Não será grande especulação assumir que o inverso também vai acontecer.

Ou seja, além de ser paga pelos serviços que presta, a Amazon também deverá ter acesso a muita da informação específica da indústria automóvel, enriquecendo o seu conhecimento neste setor.

Não vão ser os veículos comerciais ligeiros elétricos, RAM ProMaster que a Stellantis vai fornecer à Amazon que servem para pagar a fatura.

Está tudo na nuvem

As duas empresas já estão a trabalhar em conjunto num ambiente baseado na “cloud”, o Virtual Engineering Workbench, onde testam novo software, fazem simulações e formação de modelos de “machine learning”, além de recolha e análise de dados.

Do acordo também faz parte a formação, até 2024, de 5000 engenheiros e programadores da Stellantis nas áreas do software, dados e “cloud”, ligados à AWS Cloud. Para concretizar este plano, a Stellantis e a AWS irão lançar uma rede global de centros de inovação AWS.

Conclusão

Com a urgência em aceder às ferramentas informáticas no mais curto período de tempo, a Stellantis poderá estar a colocar nas mãos da Amazon uma parte do negócio, que se prevê vir a ser cada vez mais importante. E se a Amazon um dia decidir que tem o conhecimento suficiente para entrar na indústria automóvel, vai estar muito melhor preparada do que estava a Tesla no início. Nessa altura, duvido que a tradição das 14 marcas da Stellantis lhe sirvam de muito.

Francisco Mota

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