1/7/2022 – Depois de ter aconselhado 2035 como a data para o fim da produção de veículos com motor a gasolina ou gasóleo, a Comissão Europeia viu a sua proposta aprovada pelo Parlamento Europeu. Mas cinco países pediram um adiamento para 2040, entre eles Portugal, antes da Reunião dos Conselho Europeu de Ministros do Ambiente. Em que ficamos e quais as verdadeiras razões deste pedido?

 

A data de 2035 foi proposta pela Comissão Europeia como o limite a partir do qual os veículos com motor térmico (gasolina ou gasóleo) ficariam proibidos de ser vendidos no Velho Continente.

Mas essa proposta ainda tinha que ser aprovada pelo Parlamento Europeu, o que aconteceu no início deste mês e depois aprovada pelo Conselho de Ministros Europeus do Ambiente, que aconteceu esta semana.

Contudo, de todos os 27 países europeus que participaram na discussão, cinco deles tinham pedido uma extensão desse período até 2040, antes da reunião do Conselho de Ministros do Ambiente.

Foram eles a Itália, Eslováquia, Bulgária, Roménia e Portugal. Como é fácil de ver, tendo em conta a dimensão da indústria automóvel em cada um destes países, as motivações são claramente diferentes.

As razões de cada um

Para os países com menos poder de compra, a razão avançada é a esperada: os carros elétricos (de passageiros e comerciais) são mais caros, por isso há que proteger o consumidor, ou seja, dar-lhe mais cinco anos para se preparar para a transferência.

Para  Itália, a pressão vem do lado dos construtores, que pedem mais tempo para fazer os investimentos necessários à transferência energética, “exigindo” em troca que os Estados façam eles o investimento nas redes de carregadores públicos.

Mas há muitas questões

Por mais lógicas que estas pretensões possam parecer, a verdade é que levantam algumas questões. A primeira e mais óbvia é esta: será que passar o prazo de 13 anos para 18 anos faz assim tanta diferença aos consumidores, particulares e empresas?

E como é possível prever qual será o estado do mercado em 2035, para saber hoje que mais cinco anos podem fazer alguma diferença?

O custo de um carro elétrico vai ser inferior ao de um a gasolina antes de 2030

Mas há mais perguntas que se podem colocar. Alguns construtores apresentam estudos que garantem que o custo de produção de um carro elétrico vai descer abaixo do custo de produção de um carro térmico ainda antes de 2030.

A ser assim, que benefício traria para o consumidor o adiamento de cinco anos? Se em 2035 um elétrico já custar menos que um equivalente a gasolina?

Mas há mais questões

Outra questão a ter em conta é a da desvalorização dos carros térmicos, ao aproximar da data de 2035. Quem vai querer comprar um veículo usado com motor térmico, nessa altura?

É verdade que, para já, ainda não foi estabelecida uma data para a proibição da utilização de um veículo térmico. Mas isso acabará por acontecer, muito provavelmente até 2050, data alvo para a descarbonização da economia.

Quem chegar a 2035 com um carro térmico para trocar por um elétrico, o mais certo é que se depare com a total desvalorização do seu carro. Esticar o prazo para 2040, só iria acentuar mais este efeito, não iria proteger o consumidor.

E o mercado?

E depois há a simples questão do mercado. A classe política europeia tem gasto os últimos anos a dar sinais mais que claros sobre a direção para a qual está a mandar os construtores e os consumidores: os carros elétricos a bateria. E isso teve os seus efeitos.

Julgo que devem existir muito pouco automobilistas que não tenham na sua mente a ideia de que, mais tarde ou mais cedo, vão ter que passar para os elétricos. A ideia está instalada e as marcas gastam já muito dinheiro na promoção deste tipo de carros.

Elétricos já valem 11% na Europa

É verdade que, em valores absolutos, as vendas de veículos elétricos na Europa ainda são baixas, cerca de 11% em 2021. Mas as taxas de crescimento dos últimos anos são muito maiores do que se previa antes da pandemia. De 2019 para 2021, as vendas de elétricos triplicaram.

Não é difícil acreditar que esse ritmo vai acelerar, tanto do lado da oferta como da procura. Por isso pergunto: quantos compradores vão estar preocupados em não poder comprar um carro térmico após 2035?…

Manobra política

O que nos leva de volta ao princípio: qual a utilidade deste pedido de adiamento de cinco anos para a entrada em vigor da proibição? A primeira tentação é dizer que se trata apenas de mais uma manobra política.

Um pedido que se sabe à partida não ter pernas para andar, mas que, no imediato, dá algum conforto a quem não quer ou não pode pensar na transferência energética a curto prazo.

Em 2035 já teremos mais de duas décadas de produção em série de automóveis elétricos

Uma manobra que faz os políticos ficar bem na fotografia, para uma parte do eleitorado que avalia a transição à luz da atualidade, em vez de a ver como é: uma transferência a médio prazo.

Quando chegarmos a 2035, teremos mais de duas décadas de produção de elétricos em série. Daqui a 13 anos já ninguém se vai lembrar deste episódio.

Conclusão

Claro que, no final da votação do Conselho Europeu de Ministros do Ambiente desta semana, o pedido de prolongamento da proibição não teve qualquer efeito. O prazo de 2035 foi confirmado e aprovado pelos ministros, que até deixaram aquilo que só posso encarar como uma nota de humor: que os elétricos não são obrigatórios. Que estão abertos a tecnologias “plug-in” e combustíveis sintéticos “desde que eliminem por completo as emissões”, o que é uma contradição para os dois conceitos.

Francisco Mota

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