04/09/2020 – A “época das transferências” também passou pela indústria automóvel. Gilles Vidal e Alejandro Mesonero-Romanos, os líderes do estilo na Peugeot e Seat, foram “comprados” pela Renault. Qual a razão?

 

A notícia passou um pouco despercebida durante as férias de Agosto, mas tem mais importância do que se poderá pensar. A Renault “roubou” os líderes do departamento de estilo da Peugeot e da Seat.

Gilles Vidal, na Peugeot e Alejandro Messonero-Romanos, na Seat, são dois pesos pesados do estilo automóvel dos nossos tempos. Cada um deles deixou uma marca reconhecível nos fabricantes que agora abandonaram.

Objetivamente, a Renault fortaleceu a sua equipa de desenho e enfraqueceu a da sua rival caseira PSA e também da Seat. Mas não é essa a “guerra”.

A comunicação oficial diz que ambos vão integrar o departamento de estilo da Renault, reportando diretamente ao vice-presidente para o estilo da casa francesa, Laurens van den Acker. O que não deixa de ser curioso.

Luca de Meo passou ao ataque

Por detrás destas contratações de Verão, está o novo CEO da Renault, Luca de Meo, que tinha deixado a Seat para entrar na marca do losango em Julho. Está claro que Mesonero-Romanos lhe seguiu os passos para Paris. Já se davam bem na marca de Barcelona.

O seu trabalho na Seat começava a tornar-se talvez pouco desafiante. A marca estabeleceu a sua imagem estética com as atuais gerações dos seus modelos e não está prevista nenhuma revolução para breve. Não é precisa nem seria benéfica.

Os próximos Seat vão ser sobretudo evoluções do estilo atual, como se está já a ver pela aplicação da grelha do Tarraco ao Leon, Ateca e a próximos modelos. Diferenças de detalhe.

Nem sequer a Cupra se irá distanciar demasiado da Seat, mantendo uma linguagem de estilo muito próxima que se identifica mais pelos conteúdos e acabamentos.

Claro que resta à Seat e Cupra construir a identidade dos seus modelos elétricos, mas talvez Mesonero-Romanos não achasse isso suficientemente interessante.

Vidal deixa a PSA, 25 anos depois

Quanto a Gilles Vidal, esta transferência talvez tenha pontos em comum com a do seu colega da Seat. Também a Peugeot está numa fase de consolidação de estilo, com um ciclo muito rápido, que começou com o 508, continuou com o 208 e 2008 e se aproxima do final com os recém apresentados restylings do 3008 e 5008. Só falta o 308.

E aqui, nem a questão dos elétricos se coloca, pois a Peugeot não faz distinção das motorizações ao nível do estilo. Vidal estava há 25 anos na PSA, há dez na Peugeot o que de certeza teve influência na decisão.

Tanto mais que o seu novo local de trabalho se vai afastar apenas 15 km do anterior: passa de Vélizy para Guyancourt, não tem que mudar muito o seu dia-a-dia.

Maior motivação criativa poderá ser a razão destas duas transferências surpreendentes. Mas não podemos ser ingénuos ao ponto de desprezar a parte financeira, que decerto teve um papel decisivo neste assunto.

O que tem a Renault a ganhar

Mas o que pode a Renault ganhar com a “compra” destes dois pesos pesados? Sobretudo quando tem sob contrato um “ponta de lança” como Laurens van den Acker, o homem que revolucionou o estilo da Renault nos últimos anos, com enorme sucesso.

Longe vão os tempos em que o entrevistei, quando mostrou as primeiras maquetas do Clio IV e me dizia: “é muito simples: ou esta revolução de estilo funciona, ou sou despedido.” Funcionou e não foi despedido.

Claro que a Renault já entrou na segunda fase dessa ideia de estilo original de van den Acker, mais uma vez, uma ligeira evolução e nada de revoluções que as vendas não o aconselham. Mas isso não dura para sempre.

Para quê três Ronaldos do estilo?

Na indústria automóvel e no estilo em particular, ficar parado é a garantia de ser ultrapassado. Mas será que a Renault precisava mesmo de ter sob contrato três Ronaldos do desenho automóvel?

Sobretudo numa altura em que a Aliança Renault/Nissan/Mitsubishi se está a diluir como sal em água quente? São precisos três Ronaldos do estilo para as marcas Renault, Dacia, Alpine Samsung e Lada? Será isto um indício de algo maior que está para vir?

A resposta chegou no final desta semana, com o anúncio pela Renault de que vai dividir o Grupo Renault em quatro áreas de negócio: Renault, Dacia, Alpine e novas mobilidades.

Quatro áreas de negócio

Cada uma terá mais autonomia do que até aqui, o seu próprio líder e, presumivelmente, o seu próprio chefe de estilo, com van den Acker a ficar como capitão de equipa e a “ir às dobras”.

Em França diz-se que Mesonero-Romanos será o designer da Dacia e Gilles Vidal o designer da Renault. A Alpine está entregue a Anthony Villain, até ver.

Mas com o recente anúncio da entrada da Alpine na Fórmula 1 já em 2021, substituindo a Renault, prevê-se um futuro bem mais movimentado para a histórica marca de Dieppe.

Depois há ainda a Lada e a Samsung, que também fazem parte do Groupe Renault e também precisam de atenção. Sobretudo a primeira, que está desesperadamente a precisar de uma luz que a guie, como se viu pelo novo Niva. Um trabalho para uma “task-force”.

Conclusão

Luca de Meo mede todas as suas decisões com mais cuidado do que pode parecer, dado o seu estilo informal e mediterrânico. Começou por analisar o que tem pela frente, mas já começou a reestruturar, a pensar no futuro, inevitavelmente fora da Aliança. Mas lidar com as críticas a estas “contratações milionárias”, face aos 4600 despedimentos que a Renault foi obrigada a fazer, só em França, vai obrigá-lo a usar muito charme.

Francisco Mota

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