24/3/2023. Ao mesmo tempo que apresentava o seu novo elétrico feito na Europa em parceria com a VW, a Ford anunciava perdas de 6 mil milhões de euros com o seu departamento de carros elétricos. Mas garante que está tudo controlado e que o plano para a eletrificação vai acelerar.

 

Não é comum um construtor apresentar um novo modelo e admitir à partida que vai perder dinheiro com ele. Mas foi isso que fez a Ford esta semana, ao mostrar o novo Explorer elétrico e dizer que vai continuar a perder dinheiro com os elétricos nos próximos anos.

O novo modelo nada tem a ver com o Explorer que conhecemos, um SUV de cinco metros e sete lugares com motorização híbrida. O Explorer elétrico é um crossover com 4,5 metros de comprimento e cinco lugares que partilha a plataforma MEB da Volkswagen, mais um “primo” do VW ID.4.

Feito na Alemanha

Claro que o estilo é muito diferente e apela à tendência neo-retro que agora está tão na moda, ao mesmo tempo que se diferencia no habitáculo, nomeadamente através de um ecrã tátil vertical de 15”,  parecido com o do Mustang Mach-E, mas móvel.

O Explorer elétrico será fabricado na Ford Cologne EV Center, na Alemanha, em instalações da Ford reconvertidas para o efeito. Para já apenas foi dito que terá versões de tração atrás e às quatro rodas, mas é certo que vai partilhar tudo com o ID.4, por isso é de esperar potências entre os 149 e os 299 cv, com baterias de 52 e 77 kWh.

Até aqui, nada de surpreendente. O negócio entre a Ford e a VW foi anunciado há muito tempo e inclui a partilha também ao nível dos comerciais e pick-ups, aqui com a Ford a fornecer o “hardware”.

Como uma “start-up”?

A surpresa veio da boca do CFO John Lawler, quando disse que o departamento de carros elétricos da Ford, a Model E, “é uma start-up dentro da Ford. E as start-up perdem dinheiro no início da sua atividade.”

Lawler explicou que isso acontece porque as start-ups precisam de “reunir recursos, desenvolver conhecimento, subir o volume de produção e ganhar quota de mercado.” E com isso, perdem dinheiro.

Fazer um paralelo entre o gigante Ford, fundado em 1903 e uma qualquer start-up que tenha aparecido há meia dúzia de anos é, no mínimo, bizarro. Mas há uma razão para isso, na lógica da Ford.

As três Ford

Ao contrário do que fazia até agora, apresentando os resultados por região do globo, desta vez a Ford resolveu dar números por tipo de atividade, tendo dividido a companhia em três setores.

A Ford Blue trata da produção dos carros a combustão, a Ford Pro dos comerciais e a Ford Model E dos elétricos. Parece um pouco a separação que se faz entre a parte boa e a parte má de um banco, quando entra em dificuldades sérias.

Model E no prejuízo

Resumindo em números, e nem sequer vou fazer o câmbio para euros, porque a dimensão é gigantesca de qualquer maneira, a Model E vai acumular um prejuízo de 6 mil milhões de dólares, quando somados os anos de 2021, 2022 e as previsões para 2023.

O presente ano vai mesmo ser o pior de todos, com 3 mil milhões de dólares de prejuízo, a seguir aos 900 000 dólares de 2021 e os 2,1 mil milhões de 2022.

Mas a Ford não mostra preocupação com este negócio aparentemente ruinoso. Afirma que é um investimento necessário para subir o volume de produção de elétricos para os 600 000/ano, já em 2023. A caminho de um objetivo de 2 milhões/ano a partir em 2026.

Mas se a vontade da Ford é rivalizar com marcas como a Tesla, que produziu 1,4 milhões de carros em 2022 ou da BYD, que chegou aos 1,9 milhões (elétricos e PHEV) então ainda está longe.

Qual é o “banco” da Ford?

Uma start-up que estivesse nesta situação teria que ir à procura de investimento externo e/ou empréstimos bancários. Mas a Ford tem o seu próprio banco, na figura das duas outras áreas de atividade.

Em paralelo aos resultados do Model E, a Ford revelou os números do Ford Blue e do Ford Pro, que são muito mais animadores. Somados, os dois departamentos não elétricos lucraram 10 mil milhões de dólares em 2022. Ou seja, o resultado final situou-se nos 7,9 mil milhões de lucro.

Em 2023 será ainda melhor

E as previsões anunciadas para 2023 são ainda melhores, estimando a Ford que a Ford Blue ganhe 7 mil milhões (contra os 6,8 de 2022) e a Ford Pro ganhe 6 mil milhões, quase o dobro dos 3,2 mil milhões de 2022.

Ou seja, os 3 mil milhões de prejuízo da Model E para 2023, estão acomodados nos lucros dos veículos convencionais, pelo menos este ano.

De tal maneira que a Ford prevê lucros entre os 9 e os 11 mil milhões de dólares para 2023, tudo à conta dos veículos tradicionais e comerciais.

Duas medidas para 2022

Apesar de se ter dado imenso relevo à descida de preços anunciada há poucas semanas pela Tesla, a verdade é que a Ford fez o mesmo no início do ano com o Mustang Mach-E, pelo menos no mercado dos EUA. Uma manobra destinada puramente a ganhar quota de mercado que atingiu um máximo de 5700 dólares de descida na versão GT.

A outra medida vamos assistir ao longo deste ano, com a subida de produção do Mustang Mach-E das 78 000 unidades de 2022 para um objetivo de 130 000, em 2023, mais 67%.

Conclusão

Tal como acontece com todos os construtores mais antigos, estão a ser os lucros das vendas dos modelos convencionais a financiar o investimento dos modelos elétricos. O segredo está em manter tudo isto equilibrado, tendo em conta a prevista descida de vendas dos veículos convencionais. É preciso que as vendas dos elétricos compensem, o que se torna ainda mais delicado por terem, por agora, margens de lucro mais baixas.

Francisco Mota

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