30/10/2020. A Daimler subiu de 5% para 20% a sua participação na Aston Martin. Mas qual é o plano por detrás deste investimento do grupo alemão na marca Britânica?…

 

Numa conferência conjunta que reuniu dirigentes da Daimler e da Aston Martin (AM), foi anunciado que a primeira vai passar a deter 20% das ações da segunda, num negócio que envolve o acesso da AM a tecnologia híbrida e elétrica da Daimler.

A Daimler não fica propriamente a mandar na AM, mas fica como um dos principais acionistas da marca de Gaydon.

O início da relação entre as duas empresas começou em 2013, quando a Daimler ficou com 5% da AM, como contrapartida do fornecimento e desenvolvimento do seu motor V8 AMG para ser usado no novo Vantage.

Quando Andy Palmer, o anterior CEO da AM, decide entrar na bolsa de Londres, em 2018, numa operação em que as ações foram vendidas sem problemas a £19, estava longe de pensar que, pouco mais de um ano depois, a queda no mercado bolsista atingiria os 94%.

A herança de Palmer

Inevitavelmente, Palmer acabaria por cair como as ações, já este ano. O que talvez não tenha sido da maior justiça.

Vindo da Nissan, onde esteve durante 23 anos e foi um dos mentores do Leaf, Palmer tomou a decisão de apostar numa estética inovadora no Vantage. Foi também ele que decidiu tornar a Lagonda numa marca de berlinas futuristas de alto luxo e elétricas.

Nenhuma destas decisões correu bem. Os clientes não gostaram do desenho da frente do Vantage e até apareceu uma empresa independente a vender para-choques com um estilo mais consensual, para os clientes trocarem. O cúmulo da humilhação.

Pior: as vendas do Vantage começaram a ficar abaixo do volume de produção, acumulando-se “stock” nos concessionários. Um caos que só agora começa a ser resolvido.

Quanto à Lagonda, pelo que se viu em formato “concept-car”, o futurismo das linhas não estava de acordo com os rivais apontados da Rolls Royce e Bentley. Eram apenas estranhos, sem grande harmonia de linhas.

Uma história com personagens

As marcas pequenas têm a tendência de ter uma história muito ligada às personalidades que as dirigem e na Aston Martin a galeria de “notáveis” é longa.

A seguir a Palmer chegou Tobias Moers, vindo diretamente da AMG e o novo CEO já declarou que o plano dos Lagonda elétricos está cancelado: “o futuro da Lagonda será outro…” disse de forma enigmática.

O negócio da Daimler e da AM levou um “boost” depois do multi-milionário canadiano Lawrence Stroll se ter envolvido na AM já este ano, liderando um consórcio que adquiriu 16,7% das ações da AM. Os 182 milhões de libras investidos foram o suficiente para evitar que a AM morresse na praia.

O SUV DBX foi o salvador

Palmer pode ter muitos defeitos e alguns falhanços. Mas foi ele que promoveu o projeto de uma nova plataforma em alumínio e foi ele que aprovou a entrada da AM no segmento dos SUV, com o DBX, o modelo que efetivamente salvou a marca e que tem a produção toda vendida até Março de 2021.

Foi Palmer que descobriu um enorme hangar militar desativado, no meio do país de Gales e o transformou na segunda fábrica da AM, com o mínimo de investimento, ajuda da localidade de St. Athan e de onde rapidamente começaram a sair DBX. Mas não suficientemente cedo para lhe salvar a pele.

Stroll e a Daimler

Stroll tem muitos negócios, um deles na Fórmula 1, onde comprou a equipa Force India em 2018 e a transformou em Racing Point, para lá pôr a correr o seu filho, Lance Stroll. A equipa usa motores e muitos outros componentes da equipa Mercedes-AMG, ao ponto de o monolugar deste ano ter sido acusado de ser uma cópia do Mercedes-AMG F1 do ano passado.

Para o próximo ano, a equipa vai passar a chamar-se Aston Martin e já contratou o refugiado da Ferrari, Sebastian Vettel, quatro vezes campeão do mundo mas nunca com os italianos. Claro que não foi o filho a sair para dar lugar ao novo recruta…

As ligações entre Stroll e a Daimler são cada vez mais estreitas, por isso não estranha que este acordo tenha surgido agora.

Contra os 20% da AM que a Daimler vai receber nos próximos três anos, começando com uma fatia de 11,8%, a AM passa a ter acesso a mais motores convencionais e a tecnolgia híbrida e elétrica da Daimler, para os seus futuros modelos.

DBX híbrido será o primeiro

A AM tinha um primeiro plano de eletrificação que começava com a comercialização do Rapide-E, entretanto cancelada porque, agora, tem acesso a toda essa tecnologia já devidamente desenvolvida pela Daimler.

O novo plano diz que o primeiro modelo da AM a surgir deste negócio vai ser um híbrido a lançar em finais de 2021. Não é preciso ser adivinho para prever um DBX híbrido. A que se vão seguir “uma chuva de híbridos a partir até 2023” nas palavras de Moers.

No entanto, o sonho elétrico da AM não vai passar à realidade antes de 2025, ou mais tarde. A marca diz que tem outras prioridades, entre as quais o desenvolvimento da sua gama de modelos de motor central, outra das conquistas de Palmer, a que Moers vai dar continuidade.

Tudo com garantias

Claro que a Daimler não é a Santa Casa da Alemanha, um negócio como este só foi possível pelas garantias que assegurou. Se as ações da AM descerem abaixo do valor que tinham no dia do acordo, a AM passa a pagar a tecnologia híbrida a preço de custo. E tem lá o seu homem Moers para controlar o dia-a-dia.

Por outro lado, Stroll teve que participar no esforço com mais uma injeção de 125 milhões de Libras através de uma das suas empresas de capitais de risco. Investe, mas com segurança.

No final, tudo se resume aos números. Stroll e a Daimler dizem que o objetivo é vender 10 000 Aston Martin por ano a partir de 2024, quase o dobro do que a marca vendeu em 2019, dos quais 20 a 30% serão híbridos.

Por essa altura, vão ser os SUV a liderar as tabelas de vendas da AM, esperando-se que o DBX tenha companhia.

Para já, foi garantido que os AM vão continuar a ser feitos em Gaydon e St Athan e a usar plataformas AM. Mas nada garante que, a bem das sinergias, não sejam escolhidas algumas plataformas da Daimler e as fábricas que as fazem, para futuros modelos.

Smart, Maybach…

Não se pode dizer que a Daimler tenha sido um exemplo de sucesso no que ao investimento em novas marcas diz respeito. A Smart foi uma dor de cabeça desde o primeiro dia e só agora, com a venda aos chineses da Geely, parece ter um plano viável.

O renascimento da Maybach foi um falhanço, que agora a Daimler tenta reconstruir fazendo o nome passar de marca a nível de equipamento dos Mercedes-Benz. Uma ignomínia para a história do automóvel.

Mas o caso da Aston Martin poderá ser diferente, desde logo porque a Daimler quer usar a gama da marca britânica para alargar as sinergias no que ao uso de sistemas eletrificados diz respeito, amortizando um pouco mais os custos.

Conclusão

A história da Aston Martin está cheia de crises. Na verdade, pela lógica das coisas, a marca preferida de James Bond já deveria estar fechada há muitos anos. Mas a sua imagem sempre esteve muito acima do valor intrínseco dos seus produtos e isso, em última análise, tem sido o que atrai as personalidades que a salvaram vezes sem conta.

Francisco Mota

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