Crónica à 6ª feira – 07/08/2020. Há trinta anos que o Estado norueguês atribui incentivos financeiros à compra e utilização de carros elétricos, mas ainda nem representam 10% do parque rolante. O que correu bem e o que correu mal, nestas três décadas?

 

Apontada como um exemplo de sucesso dos carros elétricos – sendo o país com maior percentagem deste tipo de motorização entre os veículos de passageiros e comerciais ligeiros – a Noruega tem um mercado de carros novos dominado em 60% pelos elétricos. Logo a seguir estão os “plug-in” com 15% do mercado de carros novos.

Razões para a adesão dos compradores aos elétricos são duas: os fortes descontos aplicados à compra de carros novos elétricos e as reduções de custos na sua utilização.

Mas a estratégia de apoio aos carros elétricos começou há 30 anos, em 1990, quando foram aplicados os primeiros incentivos.

Na altura isso foi visto como uma manobra de propaganda do governo, sobretudo porque a oferta de modelos elétricos era quase inexistente e os que existiam eram pouco eficientes, com baixa autonomia e pequena lotação.

Arranque em força em 2000

As coisas mudaram de figura dez anos depois, em 2000, quando os incentivos cresceram em número e volume.

A taxa de circulação, portagens, “ferry boats” públicos e estacionamento municipal passaram a ser grátis, para os veículos elétricos.

Uma medida acolhida com interesse nas grandes cidades, começando a aparecer pequenos fabricantes de veículos elétricos, semelhantes aos “papa-reformas”.

Mais importante foi a redução em 25% no imposto de aquisição do automóvel, se fosse elétrico, logo seguido, no ano de 2001, pela permissão de circular na faixa BUS.

Investir na rede de carregadores

Em paralelo, o Estado deu início a um significativo investimento na rede de carregadores públicos, um negócio que abriu depois a empresas privadas, que aí viram uma oportunidade de negócio.

A razão para este apoio aos carros elétricos foi uma reação à elevada poluição nas maiores cidades de um país que tem apenas cinco milhões de habitantes.

As autoridades foram obrigadas a limitar a circulação de carros com motores a gasolina ou gasóleo de acordo com o número de matrícula: os pares e os ímpares só podiam circular em dias alternados.

Para combater a poluição, o Estado estabeleceu uma meta de 50 000 veículos elétricos vendidos para se manterem os incentivos.

Mas essa barreira foi ultrapassada há muito e os incentivos não desapareceram, mas foram mudados, pois os efeitos secundários não se fizeram esperar.

Corrigir efeitos secundários

Em muitos casos, a compra de um veículo elétrico veio ocupar o lugar de segundo carro da família, usado para o dia-a-dia na cidade, enquanto o carro principal, a combustão, continuava a ser usado para deslocações maiores.

Alguns diziam que não se estava a substituir o parque automóvel, mas a acrescentar mais carros, só que elétricos.

Mas os descontos e as contas do custo total de utilização eram de tal forma atrativas que muitos compradores se viam quase “obrigados” a comprar um elétrico.

A explosão nas vendas dos elétricos e a possibilidade da sua utilização com menores custos veio criar problemas de estacionamento e de congestionamento que o Estado teve que retificar em 2017.

Incentivos financeiros justos?

Os incentivos à aquisição, como a supressão de imposto de aquisição, IVA e descontos suplementares para empresas que comprem um elétrico, mantiveram-se.

Mas a circulação na faixa BUS só pode ser feita se o carro elétrico levar pelo menos dois ocupantes (terá o mercado das bonecas insufláveis crescido?…) e os pagamentos de estacionamento, portagens e “ferry boats” voltaram, se bem que a tarifas 50% abaixo dos automóveis a combustão.

Outra discussão pertinente, despoletada pelos compradores sem capacidade económica de comprar um carro elétrico, foi a da justiça social das medidas.

Alega quem só tem dinheiro para comprar um pequeno carro a combustão que os incentivos à compra e utilização de elétricos (bem mais caros) não passam de descontos de impostos aos mais ricos, os que menos precisam disso. Uma situação que permanece sem resposta.

Usados dominam o mercado

Desde sempre que os automóveis são um produto caro na Noruega (e noutros países da Europa do Norte) mais que no resto do continente.

De tal forma que, ainda hoje, 75% de todos os carros transacionados no país são usados. E no mercado dos usados, os elétricos só agora começaram a entrar.

Até 2010, a venda de elétricos continuava a ser discreta, só na última década o mercado disparou, sobretudo devido ao crescimento da oferta, seja nos segmentos de menor preço, com a entrada da Mitsubishi e da Nissan, seja nos mais caros, com a Tesla e Jaguar, cada vez com maior autonomia.

O problema da Suécia

A Noruega passou a Suécia no “ranking” da penetração de veículos elétricos novos, porque na Suécia a subida de popularidade dos automóveis elétricos veio trazer um problema esperado: a procura de energia elétrica suplantou a oferta.

O Estado sueco foi obrigado a criar incentivos para que os proprietários de carros elétricos apenas os carregassem a horas de vazio, incentivando também a venda de energia à rede, em horas de pico

O proprietário de um elétrico carrega-o em horas de vazio e depois vende energia à rede em horas de pico.

Se este complexo princípio funcionar, os carros elétricos podem deixar de ser um problema e passar a ser parte da solução. Sem que o Estado tenha que investir no redimensionamento da rede elétrica.

Petróleo e barragens

Voltando ao “fenómeno” Noruega, é bom recordar duas coisas. A primeira é que o país é um dos grandes produtores de petróleo, sendo essa a sua principal fonte de riqueza que lhe permite enormes investimentos públicos.

O segundo é que os seus recursos hídricos lhe permitem ter uma rede elétrica alimentada maioritariamente por energia renovável, gerada em centrais hidro-elétricas.

Isto criou uma situação quase perfeita para a proliferação eficiente dos carros elétricos, mas ainda assim já passaram trinta anos desde que começou.

Conclusão

Quem ficou espantado com as afirmações da CEO da GM, Mary Barra, quando recentemente disse que “a eletrificação da mobilidade vai demorar décadas” tem na Noruega o exemplo concreto do que Barra afirmou.

Apesar de todos os incentivos financeiros (e só por causa deles) que começaram há 30 anos, o parque automóvel Norueguês ainda nem chegou aos 10% de veículos elétricos. E isto num pequeno mercado que vale pouco mais de 140 mil carros por ano. Imagine-se o que será num mercado de milhões…

Francisco Mota

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