16/12/2022. Luca De Meo, o CEO do Grupo Renault, foi nomeado presidente da ACEA, a associação dos construtores europeus de automóveis. O organismo de lóbi das marcas que operam na Europa está a passar por uma fase difícil, mas será que De Meo é o homem certo para salvar a ACEA?

 

Algumas vezes acusado de se preocupar mais com a sua carreira e com o seu marketing pessoal do que com outra coisa qualquer, Luca De Meo acrescentou mais uma linha ao seu CV, ao aceitar ser presidente da ACEA, a associação dos construtores europeus de automóveis.

A ACEA é um puro organismo de lóbi da indústria automóvel europeia, junto da Comissão Europeia, com a missão de influenciar a classe política em favor dos seus interesses. Nada de estranho nisto, todas as grandes indústrias a operar na Europa usam este tipo de recurso, que é perfeitamente legal.

Apesar de se fabricarem automóveis na Europa há mais de um século, a ACEA foi fundada apenas em 1991, sucedendo ao Comité dos Construtores do Mercado Comum (CCMC) que tinha nascido em 1972. A sua missão é defender os interesses dos construtores a operar na Europa, incluindo os não originários do Velho Continente.

Pouco eficiente

Não se pode dizer que tenha vindo a ser um organismo com muito sucesso, raramente conseguiu fazer valer os seus pontos de vista face à classe política, que tem no automóvel um alvo fácil para disparar políticas frequentemente demagógicas.

Enquanto se vendem muitos carros, os construtores estão mais preocupados em defender os seus interesses individuais

A falta de força da ACEA pode explicar-se pela falta de vontade dos seus associados, as marcas de automóveis, em tomarem posições comuns e agirem em bloco. Enquanto o mercado funciona bem e se vendem muitos carros, os construtores estão mais preocupados em defender os seus interesses individuais do que tomar atitudes corporativas.

A verdade é que a fortíssima concorrência entre os construtores de automóveis, não incentiva a um espírito corporativo ou associativo. O papel de cada marca tem sido bater as suas rivais, não agir em conjunto para o bem de todas.

O presidente da ACEA

O lugar de presidente da ACEA tem sido ocupado por vários CEO dos grandes grupos europeus, que acumulam as duas funções.

Alguns até repetiram a dose, anos depois da primeira vez. Oficialmente são mandatos anuais, mas que na prática acabam por ser de dois anos, com uma reeleição pelo meio.

Mas é um daqueles lugares que faz lembrar o de delegado de turma na escola: alguém tem que ser, mas muito poucos o encaram com um mínimo de entusiasmo.

À beira do colapso

A ACEA está a passar por momentos de grande crise interna, depois de Carlos Tavares, o CEO do grupo Stellantis ter anunciado que vai retirar as suas marcas da associação no final de 2022. O português foi um dos últimos presidentes da ACEA, mas acabou o mandato desiludido com o que viu.

Segundo Tavares, a ACEA faz um tipo de lóbi ultrapassado e ineficiente, por isso já anunciou que a Stellantis vai partir para novos formatos, organizando eventos públicos que visam a sensibilização da opinião pública, em vez de tentar manobrar nos corredores da Comissão Europeia.

A Stellantis e a Volvo já anunciaram a saída da ACEA no final de 2022. Deixaram de lhe encontrar utilidade.

A Volvo também já manifestou a sua intenção de sair da ACEA este ano, por não partilhar os seus apertados prazos de corrida à eletrificação com os mais dilatados que a associação defende. A marca sueca, de propriedade chinesa, terá avaliado a sua presença na associação e concluído que não acrescenta nada à sua estratégia, sobretudo dentro do grupo Geely, a que pertence.

Mais dores de cabeça

É com este cenário que Luca De Meo, de 55 anos, enfrenta o novo cargo, como se já não tivesse trabalho suficiente com a “Renaulution”, a revolução que está a implementar no Grupo Renault, na direção da eletrificação e do aumento da rentabilidade, apostando fortemente no segmento C dos familiares compactos, como o Mégane elétrico.

Será De Meo o homem certo para o lugar? Tendo em conta o seu percurso profissional, deverá ser um dos CEO com uma agenda de contatos mais completa, depois de ter ocupado lugares de topo nos maiores grupos europeus, como o Grupo FCA e grupo VW. Esteve em todas as marcas do grupo Fiat, passou pela VW, Audi e foi CEO da Seat, antes de entrar na Renault.

As qualidades de De Meo

Diplomacia é qualidade que se lhe reconhece e que será fundamental para agregar os construtores em torno de ideias de interesse comum. Os temas da Euro 7 e da eletrificação são suficientemente aglutinadores para que todos os construtores queiram falar a uma só voz. Pelo menos em teoria, porque isso ainda não aconteceu.

Depois, será a mesma capacidade de diálogo que vai precisar para lidar com os interlocutores de Bruxelas, uma tarefa que requer também muita paciência, qualidade que não sei se será o forte do gestor italiano.

O lugar de presidente da ACEA tem tanta importância quanta a que os seus associados lhe queiram dar, através de posições concertadas e ações conjuntas. Sem isso, não há personalidade que consiga fazer algo de relevante.

Para Luca De Meo, a presidência da ACEA pode acrescentar-lhe mais algumas dores de cabeça, mas é um lugar transitório e de risco reduzido. Se, ao fim do seu mandato, não tiver conseguido trazer para a indústria automóvel grandes conquistas, dificilmente alguém poderá dizer que a culpa foi sua.

Conclusão

Em termos pessoais, a De Meo bastam algumas intervenções públicas bem articuladas e no tempo certo, algo em que é um especialista, para somar mais algum prestígio à sua carreira e fazer subir o seu valor de mercado. Nunca se sabe qual o próximo lugar de CEO que pode ficar disponível.

Francisco Mota

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