03/04/2020 – Ainda as contas dos prejuízos não estão feitas e já se pensa no “day after” na indústria automóvel. Recuperação total dentro de um ano, dizem os otimistas. Como?…

 

Solidariedade em vez de rivalidade, esta parece ser uma das bandeiras envergadas por alguns dos líderes da indústria automóvel, que já pensam na recuperação após a crise do Covid-19.

Num setor onde o dinamismo sempre foi um vício, mais que uma prioridade, os construtores de automóveis já estão a arquitetar a saída da crise.

Como todos os outros setores de atividade, também no setor automóvel as ajudas estatais e o “lay off” vão ser palavras muito usadas pelos seus financeiros, mas não só.

Desta crise, parece estarem a nascer algumas conclusões que podem dar decisões para o futuro, mudanças de rumo, até. Sobretudo para os construtores europeus, ou a operar na Europa.

Mais local, menos global?

Depender de fornecedores longínquos, vê-se agora, pode ser mais barato mas tem os seus problemas. Não tanto num cenário de fecho quase total da economia, como o que vivemos nestas semanas, mas quando chegar a fase de arranque.

Apostar mais nas soluções locais, do que nas globais, parece ser algo que anda a circular em excesso de velocidade na cabeça de alguns CEO. Mas será para levar a sério?…

A indústria automóvel assenta numa rede hiper-complexa de fornecedores e de logística que só funciona bem porque foi sendo afinada ao longo de décadas.

É claro que uma crise como esta leva os dirigentes a pensar em alternativas, mas ninguém pode dimensionar um negócio a pensar numa pandemia com estas dimensões, que só surge a cada 100 anos.

Solidariedade em vez de rivalidade?

Os grandes líderes da indústria vão deixando saber neste momento, que a solidariedade é melhor do que a rivalidade, mas também esse sentimento se desvanecerá como fumo, assim que voltar a normalidade. Todos lutam pelo mesmo bem precioso: o cliente.

Para já, os construtores de automóveis ainda têm esta crise para resolver e para o fazer pedem duas coisas: acesso rápido à informação mais recente e sincronização entre os agentes governamentais e financeiros. Querem saber com o que podem contar, para voltarem a pôr o comboio em marcha.

As perdas vão ser fabulosas. Há quem as estime em 58 mil milhões de euros quando se fizerem as contas no final deste negro 2020. Não sei se será mais ou menos, julgo que ninguém sabe.

Como se fará a retoma?

A retoma não vai ser fácil. O mercado está, em traços gerais, dividido entre compradores de frotas, compradores de “rent-a-car” e particulares, sensivelmente com um terço para cada.

Não vejo as empresas, em mísero estado, colocarem a compra de frotas de novos automóveis como prioridade pós-crise.

Com a inevitável contração do turismo, também não vejo o negócio do “rent-a-car” a recuperar tão cedo e quanto aos particulares, será ainda pior.

Ainda assim, há quem preveja uma retoma completa daqui a 12 meses. Otimistas?…

Retoma suave, o que é?

As fábricas querem voltar ao trabalho o mais cedo possível, algumas anunciam datas anteriores às previsões dos picos da pandemia, o que me deixa realmente surpreso.

Falam numa “retoma suave”, ou seja, começar a produzir mais cedo, ainda que em quantidades reduzidas, para ter a “máquina” oleada e pronta a acelerar quando chegar o momento. Não vai ser fácil.

Uma mini “pré-época”?

Já alguém comparou este arranque da indústria automóvel com o arranque de um petroleiro: o movimento não começa quando se ligam os motores.

Eu prefiro outra comparação. Dizem os futebolistas que vão precisar de uma mini pré-época, quando voltarem aos relvados, para garantir que estão minimamente em forma.

Parece-me que a indústria automóvel também vai precisar de uma mini pré-época, não tenho é a certeza de que vá ter tempo, ou dinheiro, para isso.

Automóvel, motor da economia?

É que a indústria automóvel ainda é o motor da economia dos principais países europeus.

Emprega diretamente 2,6 milhões de trabalhadores em 229 fábricas de montagem e fabricação. Se contarmos com os fornecedores e logística, o setor emprega 13,8 milhões de pessoas. A pressão é fenomenal.

Neste momento, já foram atingidos 1,1 milhões de operários e já deixaram de ser fabricados 1,2 milhões de automóveis, só na Europa.

Os governantes dizem que vai chegar uma altura em que terá que ser feito um equilíbrio entre a curva da saúde pública e a curva da saúde económica.

Terá que se ceder um pouco na primeira, para não deixar a segunda subir exponencialmente. Só espero que tudo isto possa ser feito antes de chegar a temida segunda vaga da pandemia.

Francisco Mota

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