Crónica à 6ª Feira – 05/06/2020. Bill Ford e Jim Hackett arregaçaram as mangas e decidiram tratar do assunto do racismo dentro da sua companhia. Receando os efeitos dos confrontos sociais, a administração da Ford tomou o lugar do Estado e começou a dialogar.

 

Já não bastava a Covid-19 e a consequente recessão económica, agora segue-se um conflito social com contornes de racismo para desestabilizar ainda mais a sociedade dos EUA.

Pela televisão, temos acompanhado as manifestações, umas mais pacíficas que outras, contra a violência da polícia que levou à morte de George Floyd.

Também temos visto os aproveitamentos de que estes eventos têm sido alvo, para outros interesses de grupos mais vocacionados para uma certa intervenção na sociedade.

Mas não, a Crónica à 6ª Feira não largou os carros e passou a ser mais uma coluna de comentário/intervenção política. Esta introdução tem uma razão ligada diretamente à indústria automóvel e a mais uma das suas atitudes.

A carta da Ford aos seus trabalhadores

Bill Ford e Jim Hackett, CEO e presidente executivo da Ford Motor Company, respetivamente, enviaram uma carta aos trabalhadores da companhia acerca deste momento sanitário/económico/social e a carta acabou por ser tornada pública pelo departamento de comunicação da empresa.

Da sua leitura tiram-se várias conclusões acerca do papel social de empresas como a Ford, sobretudo porque a maneira como está redigida mostra uma rara sensibilidade para os problemas do racismo nos EUA.

A carta começa por admitir que “a sociedade americana continua a acumular décadas de raiva coletiva e frustração sobre o abuso de poder e de autoridade” um fenómeno que também é sentido dentro da própria companhia, como os signatários têm a frontalidade de admitir.

E também não escondem que os efeitos do abuso de autoridade e violência têm caído de forma desproporcionada sobre a comunidade negra. Mesmo dentro das comunidades dos empregados da Ford.

Disparidades de tratamento

As disparidades de tratamento entre as várias comunidades atingem também os indivíduos afetados pela Covid-19, é dito na carta, consoante a sua cor de pele. E as disparidades nas ajudas para fazer face à crise económica, também.

A cidade de Detroit, sede da Ford, é apresentada como um palco para este tipo de problemas, que já não são novos e têm empobrecido a cidade, outrora centro da indústria automóvel.

Face a isto, a Ford diz que não quer ficar pelas “ações superficiais” e decidiu liderar um movimento, dentro da companhia, para cimentar uma “cultura de inclusão, justa e que todos os nossos empregados merecem.”

Partindo de um historial de conversações permanentes entre a administração e os sindicatos, a Ford encetou uma nova ronda de consultas e reuniões, com o objetivo de tratar as questões sociais e raciais.

O que a Ford quer saber

As reuniões com empregados começaram com os líderes das várias comunidades étnicas de trabalhadores da Ford, incitando-os a falar com as suas “gentes”.

As perguntas que a Ford quer fazer são extremamente simples e, ao mesmo tempo, muito complexas. A empresa quer perceber como se sentem os seus empregados em relação aos conflitos sociais e raciais que estão a assolar os EUA.

A administração quer saber da boca das várias comunidades – de várias raças, religiões e proveniências – o que poderá fazer para melhorar as condições e o ambiente de trabalho, em relação a estes temas.

É preciso ter coragem

Há uma passagem na carta que é particularmente impressionante e que transcrevo sem mais comentários: “sabemos que o racismo sistémico ainda existe, apesar dos progressos. Não podemos fechar os olhos a isso, nem admitir essa situação como normal. Muitos de nós não sabemos o que será pertencer a uma comunidade negra, ter medo pelos nossos filhos, de cada vez que saem de casa. Ou viver com o medo que hoje possa ser o nosso último dia.”

Na carta, Bill e Jim, terminam assegurando aos seus trabalhadores que a companhia tem recursos próprios para lidar com problemas deste tipo e que está profundamente determinada em ajudar a resolver a questão.

“Continuamos a ser uma família e uma empresa que é mais forte unida e está determinada a fazer a justiça social e racial” é uma das últimas frases desta carta.

Conclusão

Pode dizer-se que se trata de uma comunicação preventiva, feita com a preocupação de tentar não deixar entrar na empresa os conflitos sociais e raciais que poderiam trazer danos importantes ao negócio.

Mas não deixa de ser relevante que um discurso deste tipo seja veiculado pela adminstração de uma empresa privada, em vez de ser da autoria dos políticos que têm o poder. Uma lição de humanidade.

Francisco Mota

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