Crónica, 17/04/2020. As fábricas de automóveis começam a reabrir na Europa. Mas a pergunta é: quem vai comprar carros?…

 

Os construtores têm vindo a fazer tudo para abrir as suas fábricas o mais depressa possível e isso vai acontecer, generalizadamente por toda a Europa, a partir de segunda-feira.

Os fabricantes dão garantias de estar em condições de fornecer todas as medidas de limitação do contágio entre os seus trabalhadores.

Luvas, máscaras, distância entre postos de trabalho, medição de temperatura a cada trabalhador e até testes de Covid-19.

Alguns sindicatos vão mais longe e pedem alteração dos turnos habituais, de modo a começarem e acabarem à hora das refeições, para que os trabalhadores possam comer em casa e evitar as inevitáveis concentrações nos refeitórios.

Mas este é apenas um lado do problema, ironicamente o mais fácil de resolver numa fábrica.

E os fornecedores?

O mais difícil é garantir que toda a “máquina” necessária para fabricar automóveis “acorda” ao mesmo tempo.

As fábricas de montagem final podem abrir, mas isso de nada serve se o fluxo de componentes feitos noutras fábricas e por outras empresas, não estiver também ativo.

Montar carros sem alguns componentes, e deixá-los à espera que cheguem as peças que faltam para os acabar, não parece ser um processo logisticamente fácil…

Mas a reabertura da atividade vai fazer-se, o melhor possível. As quebras no negócio são fulminantes e não é possível esperar mais tempo, dizem.

O que diz a ACEA

Só para dar uma ideia, comparando os meses de Março de 2020 e de 2019, a quebra nas vendas de automóveis na Europa, foi de 55%.

E, é bom lembrar, a generalização do isolamento e fecho da atividade só começou a meio do mês. As contas no final de Abril vão ser muito piores.

A ACEA, associação que reúne os 16 maiores construtores de veículos automóveis na Europa, emitiu um “guia” com quatro pontos, para a reabertura, tanto das fábricas como dos pontos de venda.

O primeiro ponto diz que é preferível que as marcas e os seus fornecedores façam um esforço para começarem todos ao mesmo tempo.

O segundo apela a incentivos governamentais ao abate de carros velhos. O terceiro é mais “técnico” e apela aos governos para agilizarem os processos de homologação e de matriculação em cada país.

Finalmente, faz mais um apelo aos Estados, no sentido de acelerar o investimento na rede de postos de carregamento de veículos elétricos.

Leio este “programa” várias vezes e só me vem à memória aquele dizer inglês: “too little, too late.”

Mais uma vez, a ACEA mostra a sua confrangedora falta de iniciativa, e a sua falta de “timimg”, como se andassem sempre com o relógio atrasado.

O que diz a ACAP

Em Portugal, a ACAP, a associação que representa o setor automóvel, demorou mais uns dias a emitir o seu comunicado.

Curiosamente, também tem quatro pontos, quatro medidas que exige/propõe ao Governo.

A primeira pede um aumento de 100% no apoio à compra de carros elétricos. A segunda pede incentivos ao abate, a terceira pede a suspensão do IUC e a quarta pede uma linha de crédito específica para o setor, com parte do capital a fundo perdido.

A associação nacional conseguiu o mais difícil: ser ainda mais irrealista que a associação europeia.

Elétricos? Nesta altura?

A insistência no favorecimento à compra de carros elétricos, numa fase de crise profunda como a que se aproxima é inacreditável.

É não ter a mais pequena ligação à realidade, é uma medida germinada em gabinete, de efeitos marginais e assimétricos.

Pelo menos, a ACEA, ainda pede investimento na rede de postos de recarga, a ACAP “esqueceu-se” disso, num país em que esse já é o principal problema de usar um carro elétrico.

Na verdade, o único pedido/exigência/proposta com algum sentido é o relativo aos incentivos ao abate. Uma medida que beneficia realmente todos, incluindo os automobilistas.

Os problemas da vida real

Mas o problema da vida real é muito mais grave, como é óbvio: onde vão estar os clientes para comprar automóvel novo, no fim da crise sanitária?

As empresas vão ter mais com que se preocupar antes de pensar em renovar frotas; a queda no turismo arrasou as compras dos “rent-a-car” e os particulares que não perderam o emprego, nem estão em “lay-off” têm, claramente, outras prioridades.

Sem compradores de automóveis, não vejo como os pedidos da ACEA ou da ACAP possam ter alguma utilidade.

Comissão Europeia e a poluição

Pelo seu lado, a Comissão Europeia emitiu alguns “conselhos” para quando a população tiver autorização para sair de casa e recuperar a mobilidade.

Apela às autoridades para que garantam uma constante desinfeção dos transportes públicos, e maior frequência dos transportes, para poderem andar menos cheios. Como arranjar mais meios de transporte, não diz…

Mas vai dizendo também que deve ser facilitada a utilização de automóveis particulares, pois são uma forma de isolamento.

O aumento de trânsito será a consequência mais que certa, como é fácil de prever. Com implicações na subida drástica da poluição.

E não só comparada com esta fase de isolamento, em que as cidades quase cheiram a “campo”, mas face ao período anterior.

Multas adiadas

A situação da poluição será ainda pior pois os construtores já disseram que não vão conseguir cumprir os seus planos de lançamento de novos modelos eletrificados (na sua maioria “plug-in”) pois vai haver um atraso no desenvolvimento e homologação.

Já se trabalha num calendário para o adiamento das multas sobre os construtores que não consigam cumprir a meta dos 95 g/km de CO2 na média dos carros vendidos até ao final do ano.

Talvez o único ramo do negócio que possa progredir nos próximos tempos seja o do pós-venda.

Face a um provável adiamento na decisão de compra de carro novo, o usado vai precisar de mais cuidados. Uma oportunidade para quem se souber posicionar melhor.

Conclusão

O setor automóvel encara tempos difíceis, disso não há dúvidas. Será preciso dar espaço a quem tenha novas ideias, capazes de fazer descer custos e de atrair compradores. Temos que ser otimistas, não nos podemos dar ao luxo de ser pessimistas.

Francisco Mota

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