Como substituir 1,4 mil milhões de carros a combustão?

Hoje, são produzidos 70 milhões de carros por ano, em todo o mundo

Vão ser precisos (muito) mais postos de carregamento

Vão ser precisas mais fábricas de baterias

O crescimento dos smartphones foi mais rápido que o esperado

As vendas de elétricos podem disparar mais depressa que o esperado

30/7/2021. Hoje, haverá 1,4 mil milhões de veículos de passageiros a circular em todo o mundo, com motor de combustão. Quanto tempo levará a trocar todos estes carros por elétricos? E como fazer a transição? Algumas ideias estão em discussão.

 

Quando se ouve dizer que um governo ou região anunciou que vai proibir a venda de carros com motor a combustão a partir de uma certa data – que na Europa foi estabelecida para 2035 – não se está a resolver todo o problema da poluição.

Uma coisa são as vendas de automóveis novos, outra completamente diferente é a dimensão do parque automóvel mundial, feito de carros com motor de combustão. E resolver esse problema é um problema muito maior.

O valor não é fácil de obter, mas vários analistas concordam que a estimativa de haver, hoje, cerca de 1,4 mil milhões de carros de passageiros a circular em todo o mundo é uma estimativa aceitável.

Não basta proibir a venda

Para se concretizar totalmente a transição energética, dos motores a combustão para os motores elétricos, não basta proibir a venda dos primeiros. É preciso substituir todos os carros com motor a combustão que estão a circular no mundo.

A tarefa não parece fácil, nem rápida. Tanto mais que, a média de vendas mundiais de automóveis tem rondado os 70 milhões por ano, nos últimos cinco anos. E este valor não deve desacelerar daqui até 2035.

As vendas de elétricos subiram 43%, face a 2019. Mas ainda só representaram 5% em 2020

Claro que as vendas de carros elétricos estão a subir, segundo os dados de 2020, apesar da pandemia ter afetado em muito as vendas globais, ou talvez até por isso, as vendas de elétricos subiram 43%, face a 2019. Mas ainda só representaram 5%, cerca de 3,2 milhões.

Como “acabar” com os motores de combustão?

A questão é que há um atraso considerável entre a subida de vendas de carros elétricos e o aumento da sua percentagem no parque circulante.

Estima-se que, se as vendas de carros novos em 2035 forem efetivamente 100% de carros elétricos, apenas em 2050 se poderá chegar a um parque circulante com 95% de veículos elétricos. Daí os compromissos de zero emissões para 2050, anunciados pela Europa e EUA.

Porquê o “atraso” na resposta?

Mas porquê este atraso na resposta do mercado? Uma das razões é o acentuado crescimento da durabilidade dos carros nos últimos anos. Os utilizadores não precisam de os trocar tão cedo como no passado, porque duram mais.

A segunda razão tem a ver com o poder de compra de muitos automobilistas. Muitos, compram sempre carros usados, porque não têm dinheiro para comprar um novo. E isso aplica-se ainda mais aos elétricos, que ainda são mais caros.

Que medidas tomar?

Mas então, como substituir 1,4 mil milhões de carros de combustão por carros elétricos? A descida de preço dos elétricos será um passo importante, estimando-se que em 2025 o custo de produção seja idêntico ao dos carros de combustão.

“o acesso aos elétricos tem que ser democrático, não só para os ricos” disse recentemente a CEO da GM, Mary Barra.

Mas isso não chega. É preciso que “o acesso aos elétricos seja democrático, não seja só para os ricos” disse recentemente a CEO da GM, Mary Barra. Como o fazer?

O apoio à retoma é visto como um passo fundamental: os Estados darem incentivos em dinheiro, para quem trocar um carro velho e poluidor por um novo elétrico. É um investimento público, e os Estados têm sempre muitas áreas onde gastar o orçamento: saúde, educação, emprego…

Medidas pouco justas?

Há, contudo, evidências de que estes esquemas de apoio à retoma nem sempre atingem quem mais precisa. Em muitos casos, são aproveitados por quem já estava prestes a trocar de carro e simplesmente aproveita o benefício.

Quem não tem dinheiro para mais do que um pequeno e velho utilitário, que pouco ou nada vale, um incentivo não chega para fazer a troca.

E haverá dinheiro para ajudar estes automobilistas? Provavelmente vão ser as primeiras vítimas da transição energética e vão deixar de poder ter carro próprio.

Transportes públicos gratuitos?

Em si, isso até pode não ser um problema, se as outras medidas necessárias à transição energética forem tomadas. A mais importante das quais passa pelo aumento da oferta de transportes públicos coletivos elétricos.

Mais comboios, mais linhas de Metro, mais autocarros elétricos, tudo isto é essencial para permitir mobilidade sem poluição e com menos constrangimentos. Em alguns países está a ser colocada a hipótese de tornar os transportes públicos gratuitos.

E as medidas pela negativa?

Claro que, em paralelo é essencial aumentar o número de postos públicos de recarga das baterias dos carros elétricos. Mais investimento público, pelo menos nesta fase.

Estas são as medidas pela positiva. Depois há as medidas pela negativa, claro. Proibir a circulação de automóveis de motor de combustão em cada vez mais zonas das cidades, vai certamente acontecer.

Aumento de taxas de carbono, aumento dos preços da gasolina e gasóleo, aumentar o número de postos de carregamento de carros elétricos, diminuir o número de postos de abastecimento de gasolina e gasóleo. Tudo isto está a ser ponderado.

Proibir carros a combustão?

No final, pode até acontecer que seja preciso proibir o uso de automóveis a gasolina e gasóleo, pura e simplesmente. Uma medida que não poderá ser tomada tão cedo, pelas repercussões sociais que teria nas camadas da população que não podem comprar um carro elétrico.

a transição apressada para os carros elétricos pode fazer aumentar as emissões poluentes

Alguns políticos mais esclarecidos preocupam-se com a possibilidade de a transição apressada para os carros elétricos fazer aumentar as emissões poluentes. Pela razão já atrás referida.

Proibir a venda de carros a combustão, sem estarem reunidas as condições para o acesso generalizado aos carros elétricos e à mobilidade “limpa”, poderá fazer muitos automobilistas manterem os seus carros a gasolina e gasóleo durante mais tempo do que previam. E quanto mais velhos forem os carros a circular, mais poluentes vão ser.

E a reciclagem? E as assimetrias?

Uma questão de que pouco se fala é a dos custos da reciclagem do atual parque circulante, os tais 1,4 mil milhões de carros a combustão. Felizmente não têm baterias tão grandes como os elétricos, mas ainda assim, é um problema que tem de ser resolvido.

Outro problema é o das assimetrias regionais. A Europa, a China e os EUA estão a fazer esforços sérios para a transição energética, se bem que nem todos à mesma velocidade. Mas e o resto do mundo? É certo que as três regiões citadas são as que concentram mais automóveis. Mas será que a transição energética será só para alguns?

Conclusão

Estamos a viver um momento como nenhum outro, na história da indústria automóvel e também na sociedade. A transição energética vai demorar ainda várias décadas até estar concluída. Mas um estudo recente da Bloomberg trouxe esperança. Talvez tenha um pouco de otimismo irritante, mas as projeções dizem que, em 2040, cerca de 70% das venda de carros novos já vão ser de carros elétricos, mesmo que os Estados não ofereçam incentivos ou façam políticas nesse sentido. Segundo os autores, as transições tão radicais como esta, tendem a acontecer mais depressa do que inicialmente se pensa, dando o exemplo da Internet ou dos smartphones.

Nota: a Crónica à 6ª feira vai de férias durante Agosto, regressando em Setembro. Mas este espaço não ficará vazio. Já a partir da próxima semana estarão aqui “Coisas que irritam”, para o acompanhar durante esta “silly season”. Até para a semana!

Francisco Mota

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