26/8/2022 – Na utilização diária de um carro, há sempre coisas que irritam. Coisas mal pensadas ou vitimas do corte nos custos de produção. A “evolução” do manual de instruções é uma das mais irritantes.

 

Quem se lembra dos antigos manuais de instruções? Pequenos livros com poucas páginas, que começavam com um desenho do tablier, a identificação de todos os seus botões e o que faziam. Eram fáceis de consultar e davam respostas rápidas. Isso acabou.

Com os carros a ficar cada vez mais complexos, o manual de instruções também teve que evoluir e a primeira “evolução” foi o aumento do seu tamanho.

Os manuais de instruções ficaram cada vez maiores, com mais páginas, mais pesados e, muitas vezes, deixaram de caber no seu “habitat” natural, o porta-luvas. Tiveram que migrar à pressa para as bolsas das portas da frente, em alguns casos.

Onde os guardar?

Alguns construtores inventaram compartimentos próprios para os novos “calhamaços”: uns sob a coluna de direção, outros sob os bancos da frente. Outros, devido ao seu tamanho bíblico foram mesmo obrigados a passar para a bagageira, fazendo companhia à chave de rodas e ao triângulo.

Chegámos a uma altura em que os manuais de instruções facilmente ultrapassavam os três centímetros de lombada e a “culpa” não foi só da crescente complexidade dos automóveis que tentavam descrever.

A paranóia legal, que começou nos EUA e alastrou a todo o lado, obrigava os construtores a descrever tudo ao mais pequeno pormenor, para não ficarem sujeitos a processos legais dos utilizadores, por terem “compreendido” mal como funcionava alguma coisa no carro.

Infotainment foi o descalabro

Com o desenvolvimento dos sistemas de infotainment, as coisas complicaram-se ainda mais. Nessa altura, passou a ser necessário descrever todas as funções presentes num destes sistemas. Uma contradição total, pois um dos objetivos de um bom infotainment é ser tão claro de perceber que não precisa de explicações.

Tinha-se chegado ao limite físico de um manual de instruções em papel.

Nesta altura, os encadernadores disseram que se tinha chegado ao limite físico de um manual de instruções em papel e foi preciso dividir a informação em vários volumes, para ter a coleção completa de toda a informação.

A partir daqui, foi o descalabro. Primeiro era preciso descobrir em que tomo estaria a informação procurada e depois folhear centenas de páginas até lá chegar.

Guias de acesso rápido

Os manuais de instruções passaram a ser apenas lastro dentro dos carros, ninguém os conseguia consultar e chegar rapidamente à informação que procurava, tanto mais que as traduções para português entraram na esfera do delirante.

Para minorar o problema, os responsáveis por esta área inventaram os guias de acesso rápido, pequenos folhetos com poucas páginas, ou mesmo simples desdobráveis, que faziam o resumo das funções mais importantes para operar o carro, ou seja, como o pôr a andar e como conduzir.

Os custos com estes manuais de instruções XXL subiram a valores incomportáveis, tanto em termos de produção, como de edição, tradução e tudo o que envolve aquilo que se tornou em verdadeiros livros de bolso, como os que se vendem nos aeroportos.

Manual passa a digital

Com o desenvolvimento dos sistemas de infotainment, alguém percebeu que seria possível integrar o manual de instruções dentro do sistema. Acabaram-se os quilos de papel e o volume que ocupavam no carro.

A busca eletrónica do tema pretendido tornava-se muito mais fácil e as respostas tinham maior probabilidade de chegarem mais depressa. Usar os comandos por voz, seria até uma ideia muito prática.

Só que, nem todos os sistemas estão tão bem indexados como deviam e a busca nem sempre é tão rápida como se poderia esperar. E, sobretudo, tornou-se muito irritante. Mas a “evolução” do manual de instruções não ficou por aqui.

E passa para a Internet…

O próximo passo foi aliviar a memória do infotainment das inúmeras páginas do manual de instruções e deixar apenas um endereço de internet, ou um “QR code” a partir do qual o utilizador pode fazer “confortavelmente” o “download” do manual para o seu smartphone.

A passagem do papel ao digital é lógica, só há um pequeno problema…

Toda esta evolução eletrónica está perfeitamente de acordo com o mundo em que vivemos, rodeados que estamos de dispositivos e de computadores por todo o lado. Só há um pequeno problema…

E se a bateria do carro se descarrega? Como consultar o manual de instruções digital “on-board”?… Ou se a bateria do smartphone se descarrega ou se não há rede de telemóvel, no local onde o carro decidiu avariar?…

Conclusão

Tenho saudades do manual de instruções do meu primeiro carro, um VW 1303 S que comprei bem usado a um tio, que me disse quando me entregou solenemente o documento com poucas mas boas páginas: “se tiveres alguma dúvida, está aqui tudo. O manual de instruções até te ensina alguma coisa sobre mecânica…”

Francisco Mota

P.S. – Para a próxima semana, a “Crónica à 6ª feira” regressa de férias, voltando a assuntos mais sérios que estas “Coisas que Irritam”.

Ler também, seguindo o LINK:

Crónica – Coisas que irritam 7: onde estão os 4 piscas?…