18/11/2022. Em trinta anos, a Autoeuropa só tinha feito uma greve. Mas esta semana os trabalhadores entraram em greve, contra a vontade da própria Comissão de Trabalhadores. Um episódio onde a política não podia deixar de estar presente.

 

Tirando as greves gerais nacionais, a Autoeuropa só tinha feito uma greve durante os seus trinta anos de existência. Um palmarés invulgar numa indústria em que o recurso à greve tem tantas vezes sido o resultado da falta de resultados no diálogo entre trabalhadores e administrações.

A única greve ocorreu a 30 de agosto de 2017, quando os trabalhadores protestavam contra a obrigatoriedade de trabalharem ao sábado. Nessa altura, a fábrica fechou tudo, mas foi encontrada uma solução.

A força da CT

Na Autoeuropa, a Comissão de Trabalhadores (CT) teve durante muitos anos a habilidade de gerir conflitos de forma a encontrar entendimentos que servissem a ambas as partes. Mas, desta vez isso não foi possível. Porquê? Na cronologia dos acontecimentos que levou a esta greve consegue perceber-se alguma coisa.

No acordo ficou escrito que haveria aumentos de 2% para 2022 e para 2023, no mínimo de 30 euros

Mais de 69% dos trabalhadores assinaram em março, com a administração, um acordo laboral para o biénio 2022-2023. No acordo ficou escrito que haveria aumentos de 2% para 2022 e para 2023, no mínimo de 30 euros. Mas ficou também escrito que os aumentos para 2023 teriam que ter em conta a inflação passada.

Um ano em grande

Em julho começou a perceber-se que a produção na Autoeuropa em 2022 iria ser uma das melhores de sempre.

As previsões de 200 000 unidades sobem para 230 000 unidades, um “score” só superado pelos 254 600 de 2019.

E os trabalhadores decidem exigir uma “atualização digna do esforço a que todos os trabalhadores são sujeitos diariamente”.

A escalada na produção ocorre graças à subida das vendas do modelo fabricado em Palmela, o VW T-Roc, que ultrapassou o Golf como o modelo mais vendido da marca na Europa.

Exigências sobem de tom

Em setembro, com a inflação a piorar, como resultado da guerra na Ucrânia, a CT começou a exigir à administração um aumento extraordinário em dezembro, para compensar a perda de poder de compra dos trabalhadores.

A CT propõe aumentos de 5% em dezembro, com retroativos a julho e nova atualização em janeiro de 2023

Mandatada pelos trabalhadores, a CT reuniu-se com a administração em finais de outubro com uma proposta concreta: aumento de 5% no mês de dezembro, com retroativos a julho e uma nova atualização em janeiro de 2023, tal como previsto no acordo de março.

O exemplo avançado foi este: se a inflação em 2022 for de 8%, os trabalhadores querem a acordada atualização de 2% mais 1% que reflete a inflação.

As contas

Para um trabalhador que ganhe 1000 euros brutos, teria 50 euros de aumento em dezembro e mais 250 euros de retroativos a julho, perfazendo 300 euros. A partir de janeiro, o salário base para calcular o aumento de 3% seria de 1050 euros.

A administração fez uma contra-proposta no final de outubro, que se resumia a um prémio único de 400 euros em 2022. Os trabalhadores não aceitaram a iniciativa que consideraram “completamente descabida” e acusaram a empresa de estar a pôr em causa a paz social na Autoeuropa.

A dois dias da greve

Dois dias antes da greve, a administração disse que estava aberta a “encontrar soluções para colmatar as dificuldades económicas” dos trabalhadores, e que estava disposta a negociar numa reunião marcada para 25 de novembro. Face a esta nova posição da administração, a CT decide apelar ao cancelamento da greve para os dias 17 e 18 de Novembro.

A greve implica paragens de duas horas em cada um dos três turnos com que a fábrica está a trabalhar

Mas os principais sindicatos dos trabalhadores não aceitam e mantém o pré-aviso de greve decidido em dois plenários realizados no início de novembro.

A greve é parcial com paragens de duas horas por cada um dos três turnos com que a fábrica está a trabalhar neste momento, durante dois dias.

Abertura ou pressão?

Aquilo que a administração e a CT julgam ser uma abertura ao diálogo, os sindicatos afirmam não passar de uma manobra de última hora da administração, para pressionar os trabalhadores a não fazer greve.

Em resumo, os sindicatos afirmam que a administração não é sensível à perda de poder de compra dos seus 5200 trabalhadores, numa altura em que a Autoeuropa se prepara para registar o seu segundo melhor ano de sempre.

Entre acusações e balanços

Ao fim do primeiro dia de greve, o PCP afirmou no parlamento que a Autoeuropa está a violar a lei da greve, ao estar a “convocar os trabalhadores que não fizeram greve a prolongar por mais duas horas o seu turno em trabalho suplementar, com o objetivo de substituir os trabalhadores que fizeram greve.”

Entretanto, ao final do primeiro dia de greve, a CGTP-IN fez o balanço dizendo que a greve “teve forte adesão, estando várias áreas da fábrica totalmente paradas.”

Conclusão

Sem querer fazer futurologia, não acredito que o impacte da greve na produção ponha em causa os resultados do ano, apesar de se esperar balanços divergentes no que concerne à adesão à greve, da parte dos sindicatos e da administração, como é hábito. Os sindicatos dizem que os trabalhadores andam descontentes com a administração, mas um acordo acabará por ter que se fazer, com cedências de ambas as partes. E foi assim que a fábrica que não faz greves, entrou mesmo em greve.

Francisco Mota

Atualização: No fim dos dois dias de greve a administração anunciou que a greve teve 37% de adesão dos trabalhadores e que não teve impacte na produção. Afirmou também que se mantém disponível para negociar com a CT no dia 25 de novembro.

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