17/3/2023. O governo alemão recuou na sua posição de apoiar o fim dos motores a combustão em 2035. Agora está a usar os combustíveis sintéticos como moeda de troca, mas o verdadeiro motivo para este volte-face não é esse.

 

A ameaça de que o governo alemão poderia alterar a sua intenção de voto, relativamente ao fim da produção de motores a combustão em 2035, já tinha ficado no ar no último semestre do ano passado.

Mas esta semana o governo de Scholz fez mesmo o “flic-flac” e deixou de apoiar a lei do fim dos motores a combustão em 2035, pelo menos tal como está definida. Um mudança radical de política.

A versão oficial diz que a coligação que governa o pais, quer garantias de que os chamados combustíveis sintéticos vão poder continuar a ser usados em motores a combustão, depois de 2035. Uma inversão total da sua posição inicial.

Já tinha ameaçado

A lei já tinha passado por todos os degraus normais de aprovação de leis europeias, só faltava a votação final que, tendo em conta as posições assumidas até agora, seria apenas uma formalidade. Como tem sido ao longo de décadas, para todas as leis europeias. Mas o governo alemão roeu a corda no último minuto do prolongamento, para usar uma linguagem futebolística.

À última da hora, parece que o governo alemão decidiu que a passagem para a eletrificação em 2035 será demasiado radical e pretende que os motores a combustão continuem a ser aceites, desde que alimentados por combustíveis sintéticos.

A razão da “chantagem”

Usar este assunto como “chantagem” para aprovar o texto final da lei, parece fazer muito pouco sentido, nesta altura. Se é uma maneira de proteger a indústria automóvel alemã, então faz ainda menos sentido, pois apenas a Porsche mostra alguma atividade nesta área dos combustíveis sintéticos.

O que se vê neste momento é um fortíssimo investimento dos construtores alemães nos veículos 100% elétricos, numa tentativa de recuperar a liderança tecnológica de que foram detentores na era da combustão e que, aos olhos do público, passou a ser da Tesla, na era da eletrificação. E essa determinação nada tem a ver com combustíveis sintéticos.

Sintéticos não resolvem

Vários construtores já admitiram mesmo que os combustíveis sintéticos são demasiado caros e não são eficientes na eliminação da poluição local. A sua única vantagem é poderem ser neutros em termos de CO2, mas apenas se a sua produção for devidamente controlada.

Nos automóveis, pode ser uma solução para uma era pós-petróleo, mas apenas para carros clássicos ou um número muito restrito de desportivos e superdesportivos.

Mas, mesmo aí, aquilo a que estamos a assistir é a uma rápida transferência dos hipercarros para motorizações elétricas, com enormes aumentos de prestações. A Lotus anuncia 2000 cv para o seu Evija elétrico e tem mais encomendas que unidades planeadas para produzir.

Euro 7 é o problema

A verdadeira razão desta posição do governo alemão poderá estar noutra lei europeia que também está para ser aprovada, aquela que define os limites de emissões poluentes para 2025, a norma Euro 7.

Em paralelo a esta polémica muito pública da Alemanha e dos combustíveis sintéticos, a que outros países da região se juntaram, está a ser novamente discutida a questão da Euro 7.

A generalidade dos construtores anda há anos a pressionar a Comissão Europeia para reduzir a severidade deste novo conjunto de normas anti-poluição para automóveis novos.

Mas isso não dá votos

E já conseguiu conquistas com essa atitude, não só na redução das exigências da lei, como no atraso da sua entrada em vigor. Mas, alguns, continuam a dizer que os custos associados à implementação da Euro 7, com a adaptação dos motores, são demasiado altos, numa altura em que todos os recursos são necessários para a eletrificação. Outro tipo de chantagem…

Claro que não é do interesse dos construtores tornar este debate demasiado público, pois rapidamente perdem a face em relação às expetativas dos consumidores, que são de ver uma descida contínua e rápida dos níveis de poluentes de origem automóvel nas cidades. Segundo a Comissão Europeia, essa poluição é responsável por 300 000 mortes por ano na Europa.

A questão das sondagens

Claro que os políticos, sendo políticos, têm sempre uma agenda política, com prioridades políticas emergentes. As sondagens sobre a popularidade do governo de Scholz na Alemanha estão em queda e esta poderá ser uma tomada de posição para mostrar ao eleitorado germânico “quem é que manda” na Europa. O que poderia ter boas consequências nas sondagens. Veremos como anda a consciência ecológica do eleitorado alemão.

A Comissão Europeia foi obrigada a adiar a votação final da lei (do fim dos motores a combustão para 2035) para data a anunciar. Agora segue-se uma fase de negociações à porta fechada que deverá ter como resultado alguma cedência em relação aos combustíveis sintéticos, talvez um atraso na entrada em vigor da Euro 7, mas a manutenção da data de 2035 para o fim dos motores a combustão na Europa.

Conclusão

Mais tarde, veremos que este episódio terá sido completamente inútil e uma perda de tempo. Basta observar para a subida da procura de elétricos, ou para o anúncio do lançamento de novos modelos elétricos mais baratos – precisamente de marcas alemãs – para perceber que, muito antes de 2035 já a maioria dos consumidores vão preferir comprar um elétrico do que um automóvel a combustão. Goste-se ou não, é para aí que estamos a caminhar.

Francisco Mota

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