A Renault e Dacia renovaram a sua oferta de motorizações “bi-fuel” gasolina/GPL. Mas valerá a pena optar pelo GPL? Testei o Clio e o Sandero a GPL para fazer as contas. Saiba o resultado…

 

O GPL tem já uma história longa no nosso país. Começou por ser uma adaptação pós-venda feita por oficinas independentes, quando não era feita por curiosos, o que talvez não tenha sido o melhor começo para a reputação deste combustível alternativo.

Mas algumas marcas adotaram o GPL para certos modelos das suas gamas, propondo versões com as transformações feitas logo na linha de montagem da fábrica.

É o caso do Grupo Renault, através das marcas Renault e Dacia, que propõem versões bi-fuel dos seus modelos Clio e Sandero Stepway, entre outros.

Para perceber se o GPL vale mesmo a pena, testei os dois modelos, que passaram a usar exatamente o mesmo grupo motriz, com 101 cv/5000 rpm.

Alterações mal se notam

No lugar do anterior motor 0.9 litros, surge agora o novo 1.0 litros, que pode consumir gasolina, armazenada num depósito normal de 50 litros (39 litros, no Clio), colocado sob o banco de trás; ou consumir GPL, armazenado num depósito que ocupa o espaço da roda suplente, sob o piso da mala e leva 32 litros.

Para começar, esta é uma grande vantagem, face aos depósitos mais antigos, que roubavam parte da capacidade da mala. Além de que são feitos de aço muito resistente e estão colocados numa zona bem protegida.

Como todos os automóveis movidos a GPL, também o Clio e o Sandero Stepway são modelos “bi-fuel” pois precisam da gasolina para arrancar o motor. A consequência positiva desta necessidade é que a autonomia máxima combinada ultrapassa facilmente os 1000 km.

O sistema precisa de um conjunto de injetores suplementares, para o GPL, o que aumenta a complexidade do motor mas não tem grande influência no peso total.

No Dacia, o peso anunciado é o mesmo (1090 kg), enquanto que no Clio, o bi-fuel pesa 1212 kg (mais 47 kg).

Abastecimento fácil

A outra particularidade da condução a GPL é que, para abastecer, é preciso montar um “redutor” no bocal, antes de encaixar a mangueira. Essa peça está guardada num saco na mala do carro.

É preciso seguir algumas medidas de segurança durante o reabastecimento, que estão afixadas nos postos públicos, mas nada de especial.

Quando se retira a mangueira, há uma libertação súbita do resto de gás que ficou comprimido entre a mangueira e o redutor, Mas nada de realmente espetacular.

Dois modos de condução

O condutor pode optar entre a condução a gasolina ou a GPL, escolhendo o combustível num comutador de aspeto muito primário. Neste comutador está também a indicação do nível de carga do depósito de GPL.

No painel de instrumentos está a indicação usual do nível do depósito de gasolina, mas não existe um computador de bordo. Talvez porque teriam que ser usados dois, um para a gasolina e outro para o GPL, o que aumentaria os custos.

Primeiro testei o Sandero Stepway, um modelo que é um fenómeno de vendas sendo o mais vendido a clientes privados na Europa, precisamente nesta versão Stepway, com suspensão 4,0 cm mais alta que o Sandero normal e acabamentos de crossover.

Liga-se o motor e o som do funcionamento a gasolina deste três cilindros anda entre o discreto, a baixas rotações e o inesperadamente desportivo, a regimes mais altos.

Da gasolina para o GPL

Passando de imediato para o funcionamento a GPL, nota-se um ligeiro “amortecimento” do pedal do acelerador que obriga a carregar um pouco mais, para ter o mesmo desempenho.

É uma diferença mínima, mas quem estiver com atenção vai dar por ela. Nada que atrapalhe a condução em cidade, como é lógico, nem a aceleração que sobe 0,4 segundos (12,0 s).

Tanto funcionando a gasolina como a GPL, o caráter deste 1.0 de 100 cv é o mesmo: abaixo das 2000 rpm é preciso usar as relações mais curtas na caixa manual de cinco velocidades, para se ter uma resposta mais vigorosa.

O binário máximo chega às 2750 rpm e vale 160 Nm (no 1.0 Tce) e 170 Nm (no bi-fuel).

Assim que se passa essa barreira, ouve-se claramente o turbocompressor a encher as câmaras de combustão e o motor a dar uma resposta muito mais viva e despachada.

Muito melhor nas RPM médias

O binário disponível acima deste regime é muito melhor e a resposta do acelerador ganha força e progressividade. Compensa andar atento à caixa de velocidades manual de cinco e ao conta-rotações, para manter o motor a rodar na sua faixa preferida.

Da caixa do Sandero Stepway o que se pode dizer é que não é muito rápida, mas tem precisão suficiente. Claro que as relações de quarta e quinta são longas, para poupar nos consumos.

O Sandero Stepway, com a sua suspensão alta, proporciona um bom nível de conforto em piso imperfeito e na transposição de bandas sonoras, mesmo das mais altas.

A posição de condução é mais alta do que muitos crossover do segmento “B”, o que é bom para a visibilidade, sobretudo em cidade, facilitando as manobras e a condução em ruas apertadas. Mas o volante só regula em altura, não em alcance. O que é pena, pois até é forrado a pele.

O “preço” do preço baixo

Depois há detalhes que justificam os preços imbatíveis da Dacia, como os plásticos duros que forram todo o interior, mas têm aspeto razoável. Dei conta de alguns ruídos parasitas, mas nada de especial.

Também há algumas soluções que revelam a procura da simplicidade, como a colocação dos comandos dos vidros das portas de trás na base da consola, em vez de na porta do condutor. O espaço a bordo é muito bom.

Acelerando o ritmo, nota-se que a carroçaria adorna bastante em curva, perdendo precisão, também devido à deriva dos pneus de perfil relativamente alto.

A direção também é um pouco vaga e tudo isto somado acaba por incentivar a andar mais devagar. É possível andar depressa e, após habituação à inclinação em curva, percebe-se que o contato com o asfalto até é bom, antes de aparecerem os pisos mais estragados.

Mas afinal quando gasta a GPL?

Baixando para um andamento mais normal, comecei com o depósito de 32 litros de GPL cheio – na verdade, por motivos de segurança, o depósito só enche até aos 80%.

Seguindo um percurso misto, que incluiu cidade, estrada nacional e autoestrada, o último dos cinco sinais luminosos que indicam o nível do depósito de GPL apagou-se com 318,2 km percorridos e o motor passou automaticamente a consumir gasolina.

Fazendo as contas, isto dá um consumo de 8,0 litros de GPL por cada 100 km. O consumo, em modo gasolina, é de 6,0 litros. Esta diferença explica-se pela menor energia específica do GPL.

Considerando os preços da gasolina 95 e do GPL, concluí-se que o custo de combustível por cada 100 km, usando apenas GPL é de 5,6 euros/100 km.

Mais barato 36% que a gasolina

No caso da gasolina, o mesmo valor sobe para os 8,8 euros/100 km. Ou seja, o GPL consegue ser 36% mais barato. Mas é preciso ter em conta o preço de venda mais alto desta versão a GPL.

Para as contas ficarem completas, falta dizer que o Sandero Stepway Eco-G 100 Bi-Fuel custa mais 250 euros (14 470€)  do que a versão a gasolina com o mesmo motor, o TCe 100.

Feitas as contas, a partir dos oito mil quilómetros percorridos, a versão a GPL tem o diferencial de preço amortizado e começa a ser mais barata de utilizar.

As contas entre o Clio TCe 100 (17 950€) e o Clio TCe 100 Bi-fuel (18 750 €) ainda são mais favoráveis à versão “bi-fuel”, pois a diferença de preços fica-se pelos 200 euros.

Feitas as contas, o Clio TCe 100 Bi-Fuel amortiza a diferença ao fim de pouco mais de seis mil quilómetros.

E o Clio, como é de guiar?

Ao volante do Clio, as diferenças entre o funcionamento do motor a gasolina e a GPL são ainda menos sensíveis. O Clio parece ter uma resposta sempre ligeiramente melhor que a do Sandero Stepway. E os níveis de ruído e vibração são claramente menores.

O Clio acrescenta um botão Eco, que torna o acelerador menos sensível e usa o A/C com menos intensidade, para reduzir os consumos.

A comparação entre os dois modelos, não sendo o objetivo deste teste, acaba por ser inevitável. Mas com resultados previsíveis.  Afinal estamos a falar de uma diferença de três gerações, em termos de plataformas.

Muito melhor ergonomia

E isso nota-se assim que se ocupa o lugar do condutor, com uma posição ao volante muito melhor, com maiores amplitudes de ajustes e todos os comandos melhor colocados.

Claro que se perde a posição alta que facilita a visibilidade, o que no Clio é uma questão acrescida, pois os pilares traseiros são largos e não facilitam a visibilidade para trás.

A qualidade e nível de equipamento está vários degraus acima do Sandero Stepway, bem como a ergonomia. Tudo isto, e o que vem a seguir, justificam a diferença de 3500 euros entre os dois modelos.

Mas, para quem gosta de guiar, a maior diferença está na dinâmica. O Clio tem um comportamento em curva muito superior e não é só por não ser um crossover de suspensão alta como o Sandero Stepway.

Dos melhores do segmento

O controlo da carroçaria é excelente, quando se curva mais depressa, a precisão da frente e o rigor da direção são incomparavelmente melhores, permitindo uma condução mais rápida, mais precisa e que apela mais ao condutor.

Com este motor de 100 cv, a sensação que se tem é a de que a plataforma está claramente sobre dimensionada, o que inspira sempre uma dose extra de confiança e segurança.

Mas, exatamente por isso, o motor acaba por “saber a pouco”. É muito fácil chegar a situações em que se fica a pensar que mais alguma potência não lhe ficaria nada mal.

Conclusão

Os tempos das desconfianças em relação à fiabilidade e até à segurança do GPL, já ficaram há muito para trás. Com menores custos com combustível, maior autonomia combinada e a mesma condução, escolher um “bi-fuel” acaba por ser uma decisão lógica, tanto mais que nem as diferenças de preço são relevantes.

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