Em 1946 é inaugurada a primeira autoestrada em França e a Citroën desenha um carro destinado às novas vias. Mas após três anos de trabalho, o C10 foi arquivado. Saiba por que razão este 2CV especial não chegou à produção.

 

O pós-guerra em França foi marcado pela reconstrução, como seria de esperar, bem aproveitada para evoluir algumas infra-estruturas, entre as quais se destacam as vias de comunicação, como as inovadoras autoestradas.

A primeira autoestrada francesa foi inaugurada em 1946 e chamava-se “Autoroute de L’Ouest”, ligando Paris a Rouen e dando assim a muitas famílias um acesso mais rápido e confortável às praias da Normandia, a bordo do seu automóvel.

São precisos novos carros

Mas a verdade é que o parque automóvel não estava à altura de aproveitar da melhor maneira estas novas vias rápidas. A Citroën estava atenta a esta nova tendência e queria aproveitar para alterar a sua imagem, no sentido de passar a ser vista como uma marca mais moderna e inovadora.

Decide então lançar um projecto de um novo carro familiar destinado a ser o mais eficiente possível nas novas autoestradas. Do seu caderno de encargos constavam objetivos claros, como um habitáculo para quatro pessoas e respetiva bagagem. A mecânica era partilhada com o 2CV, o preço tinha que ser acessível e o objetivo de velocidade máxima era de 100 km/h.

Para tudo isto ser possível, era essencial maximizar duas áreas em particular: a aerodinâmica e o peso.

Tudo começa em 1953

O projeto começou em 1953, coordenado por André Lefébvre, um engenheiro aeronáutico que tinha trabalhado nos aviões durante a guerra, em conjunto com Gebriel Voisin, outro especialista de aviões que também se interessava por automóveis.

Lefébvre tinha estado na Renault, mas rapidamente passou para a Citroën, tendo participado ao longo da sua carreira em projetos fundamentais para a marca, como o Traction Avant, o 2CV, o DS e o furgão HY.

Quando o projeto dos protótipos C teve início, o DS estava a dois anos de ser apresentado. O novo pequeno familiar pretendia ser um familiar acessível e eficiente, mas integrando alguma da tecnologia mais inovadora que a marca iria estrear no DS, para garantir a pretendida mudança de imagem.

Aerodinâmica domina estilo

Lefébvre constituiu a sua equipa de trabalho, atribuindo a André Estaque a responsabilidade da estrutura e instalação do conjunto motor/caixa. Para Alain Roche, ficava a tarefa de cuidar da suspensão e da dinâmica.

Surpreendentemente, de fora ficava o famoso responsável de estilo da marca, Flaminio Bertoni. Por uma razão simples: Lefébvre queria ter o controlo do estilo do carro, pois dava prioridade absoluta à aerodinâmica, que era da sua responsabilidade direta. Não queria um estilista a interferir com as suas ideias, nem com a sua experiência de 35 anos na aerodinâmica aeronáutica.

Muito leve

A arquitetura do primeiro protótipo C partia de uma plataforma com piso em alumínio, sobre a qual estavam assentes torres de suspensão e braços em aço, sendo usada cola epóxida para unir os dois materiais e assim evitar a corrosão galvânica.

Uma armação suportava os painéis da carroçaria, que eram feitos de alumínio e de fibra de vidro. Para-brisas, vidros laterais e traseiro eram todos em plástico, para limitar o peso. As dimensões exteriores ficavam-se pelos 3,845 m, para o comprimento e 2,450 m, para a distância entre-eixos.

A mecânica do 2CV

O motor era o mesmo dois cilindros opostos refrigerado a ar do 2CV, com 425cc e 12 cv às 3500 rpm. Estava colocado sob os bancos da frente e transmitia a força às rodas dianteiras através de uma caixa manual de quatro relações. A Citroën afirmava que o protótipo pesava apenas 382 kg, um valor extraordinariamente baixo.

Claro que a forma da carroçaria não podia ser outra que não a da gota de água, o que lhe deu uma das alcunhas por que ficou conhecido internamente, o “Gotte d’Eau” a outra era “Coccinelle”.

Aerodinâmica muito apurada

Para garantir o máximo de eficiência aerodinâmica, a via traseira tinha que ser mais estreita que a da frente, ficando-se pelos 0,6 m e as rodas desse eixo eram carenadas.

Também por razões aerodinâmicas e para não produzir riscos no plástico, o para-brisas não tinha escovas, Lefébvre garantia que o formato do carro era suficiente para fazer a água escorrer para trás em andamento e não prejudicar a visibilidade, em dias de chuva.

Com um fundo praticamente plano e sem janelas de abrir (apenas o para-brisas podia ser ligeiramente baixado para deixar entrar algum ar) o coeficiente aerodinâmico ficava-se por um valor extraordinário para a época, e até para os nosso dias: apenas 0,258.

Asas de gaivota

Nos primeiros protótipos, as portas laterais, apenas uma de cada lado, eram em asa de gaivota, começando no tejadilho e terminando na base, junto ao piso. Facilitavam imenso o acesso dos ocupantes, mas tornavam-se demasiado grandes e pesadas.

Foi tomada a opção de as cortar na base da zona vidrada, ficando a zona inferior composta por quatro portas mais convencionais, o que era também um desafio em termos de afinação e ajuste de todas as partes. Mostrando a sua preocupação com a modernidade, o C10 tinha uma versão simplificada da suspensão hidropneumática, tanto na frente como atrás, tal como o DS.

Tudo à frente

A repartição de massas incidia claramente no eixo da frente, pelo menos com o C10 vazio. Com quatro pessoas a bordo, seria certamente outra coisa.

Os bancos eram bastante confortáveis, para os padrões da altura, muito mais que os do 2CV, e atrás da segunda fila ainda existia um espaço para guardar bagagens ou, em alternativa, colocar uma pequena cadeira para uma criança. O painel de instrumentos era espartano e o volante tinha apenas um raio, tal como no DS.

Esta configuração de monovolume, muito antes de este termo ter sido inventado, proporcionava uma habitabilidade acima da média e ótima luminosidade, muito diferente do que se podia encontrar nos pequenos familiares da altura.

Os primeiros testes

Nos primeiros testes dinâmicos, o protótipo revelou uma severa tendência subviradora, que levou à destruição de um dos primeiros protótipos num acidente. Alain Roche, responsável pela dinâmica conseguiu atenuar o problema, ao longo das sucessivas evoluções do projeto.

O C10 chegou a um estado de desenvolvimento em que já não precisava de muito mais para poder passar à produção, até que algo de terrível aconteceu: Lefébvre teve um AVC e ficou paralisado do lado direito, sendo obrigado a retirar-se do projeto e a reformar-se.

O C10 ainda continuou durante mais algum tempo a ser desenvolvido pela equipa que o tinha concebido, mas, sem o líder, o projeto perdeu força dentro da Citroën, que o acabaria por preterir face a outro modelo, também feito com base no 2CV, o Ami 6, desenhado por… Flaminio Bertoni.

Um exemplar sobreviveu

Desta aventura, pouco conhecida, sobreviveu até hoje apenas um dos protótipos, que foi restaurado e que pode ver na galeria de imagens. Talvez tenha sido um conceito demasiado avançado para o seu tempo, mas deixou influências em modelos de produção em série que surgiram mais tarde e que deram a mesma prioridade à aerodinâmica ou ao espaço interior.

O Ami One Concept

O recente Ami One, que a Citroën mostrou no salão de Genebra deste ano, prova como a marca continua a usar os seus “concept-cars” para estudar soluções com viabilidade e não apenas como meras peças de estilo.

No Ami One, a atenção vai toda para a mobilidade urbana, proporcionando uma ideia de veículo que pode ser partilhado, mesmo por quem ainda não tem idade para tirar a carta de condução.

O aproveitamento do espaço interior, inclusivamente para as bagagens, estabelece alguns paralelos curiosos com o C10, tal como a maneira original como se faz a abertura das portas, ou até a extrema simplicidade do painel de instrumentos.

Conclusão

Claro que, hoje, tudo passa por uma motorização elétrica e por uma utilização urbana, numa altura em que o paradigma da mobilidade está em mudança acelerada. E tal como aconteceu nos anos cinquenta, com as primeiras autoestradas, também agora a Citroën mostra estar atenta e a querer liderar as novas tendências.

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