Aston Martin Portraits Gaydon, England 25th July 2017 Photo: Drew Gibson

19/07/19 Andy Palmer, o CEO da Aston Martin, “arrasou” a vertigem dos políticos pelos elétricos e duvida dos autónomos. O seu trabalho anterior foi lançar o Leaf, deve saber do que fala…

 

Tenho a sorte de já ter entrevistado Andy Palmer algumas vezes, desde que chegou à Aston Martin em 2014. Mais do que entrevistas formais, foram sobretudo conversas.

Nelas, fiquei a conhecer o homem que resolveu deixar o seu lugar de vice –presidente na Nissan, após 23 anos e arriscar a carreira numa marca de luxo minúscula, que não lançava nada de realmente novo há dez anos.

Ressuscitou a Aston Martin

Hoje, todos vemos aquilo em que a Aston Martin se tornou e sabemos quais são as suas ambições para o futuro, assentes num mais que provável sucesso do seu primeiro SUV.

O DBX será fabricado na segunda fábrica da marca, no país de Gales, que já começou a produzir os primeiros pré-série.

A vontade de fazer “alguma coisa” da Aston Martin, foi o que o motivou a largar a Nissan, onde liderou o lançamento da primeira geração do Leaf.

Fiquei a saber isso num jantar prolongado durante a apresentação do Vantage, no Algarve. O seu entusiasmo pelos carros desportivos é óbvio, mas Palmer não é nem milionário, nem deslumbrado.

Ele sabe muito bem como se gere uma marca grande, como a Nissan, e sabia exatamente o que precisava de fazer para que a Aston Martin não desaparecesse do mapa, às mãos de milionários que lhe queriam injetar dinheiro, mas não tinham a mais pequena ideia de como gerir uma marca de automóveis.

Palmer “abre o livro”

Não me espanta, por isso, que Palmer tenha dito o que disse numa conferência no Reino Unido, na semana passada, a respeito dos carros elétricos, dos autónomos e sobretudo da atitude dos políticos em relação a toda esta “transferência energética”, como a classe política gosta de lhe chamar.

Palmer teve a coragem de dizer em público aquilo que muitos líderes da indústria pensam mas não dizem.

E disse aquilo que é óbvio: que os políticos não têm que definir as vias técnicas para atingir os objetivos necessários.

“Os políticos não podem ditar que são os carros elétricos a solução para diminuir a poluição, porque são ignorantes sobre tecnologia” concluindo que “o que eles têm que fazer é estabelecer os objetivos a cumprir e depois deixar os técnicos descobrir qual a melhor solução.”

Elétricos não são a panaceia

Palmer liga esta ideia com outra, a de que ninguém sabe exatamente qual será a melhor solução para o futuro, ou sequer se será uma solução única.

“Ninguém sabe se vão ser os elétricos, ou os combustíveis sintéticos, ou os Fuel Cell a resolver a questão. Ou qualquer outra solução que ainda nem sequer é do domínio público. Os elétricos fazem parte do futuro, mas não são a panaceia”

E tira o retrato perfeito da classe política quando diz que “os políticos não podem ser levados a sério quando dizem o que querem que aconteça daqui a vinte ou trinta anos. A sua preocupação é apenas subir ao poder e manterem-se lá, durante um período de tempo que é sempre relativamente curto.”

“Daqui a vinte ou trinta anos, já ninguém os vai poder responsabilizar por aquilo que disserem agora.”

Autónomos muito distantes

Palmer tem também uma opinião muito forte em relação aos carros autónomos, que estão a obrigar a um gasto de recursos muito grande: “não vai ser durante a minha vida que vou ver carros autónomos a circular livremente nas estradas. A não ser em percursos restritos e vedados, isso não vai acontecer. É absurdo!”

Um ponto de vista que coincide com o de vários especialistas do assunto, com quem tenho contactado.

O Brexit é para rir

Aproveitando a “onda” Palmer não se coibiu de criticar fortemente a estratégia do governo Britânico sobre o Brexit, que está a deixar a indústria automóvel em dificuldades: “mais valia ter uma decisão já, nem que fosse uma saída da EU a mal, do que andar nesta indecisão.”

Palmer que concluiu desta maneira a atitude dos políticos do seu país: “enquanto a EU foi muito clara naquilo que queria em relação ao Brexit, os políticos do Reino Unido têm tido uma estratégia que dá vontade de rir.”

Conclusão

Resta dizer que Palmer não tem estas declarações porque a Aston Martin esteja mal preparada para o futuro. Pelo contrário. Na nova fábrica, já começou a ser feita uma frota de berlinas Rapide com motor elétrico, que vão servir de teste para os futuros modelos elétricos da marca, entre os quais a renascida marca Lagonda, que terá na condução autónoma um objetivo de longo prazo.

A sua irritação não vem da incapacidade de fazer aquilo que os políticos acham que é a solução técnica ótima, mas sim de uma imposição vinda de alguém que ele julga não ter a competência necessária para determinar qual será o melhor caminho.
E nisto, tenho a certeza absoluta que não está sozinho. Basta ouvir o que Carlos Tavares tem para dizer sobre o mesmo assunto, para ver as coincidências.
Francisco Mota

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