01/03/2019. Os construtores dizem que o futuro imediato são os híbridos “plug-in”, os políticos batem palmas e concordam. Mas será que tudo isto não passa de uma mentira, à vista de todos?

Depois da tempestade, vem a bonança. Depois das declarações explosivas de políticos de vários países, a profetizarem o fim dos carros com motores de combustão, o que levantou um coro de críticas e de indignação de vários quadrantes, parece que estamos a caminhar para uma solução de consenso. E essa solução são os híbridos “plug-in”.
Em teoria, é uma solução que serve todos os interesses, pelo menos no curto prazo. Em primeiro lugar o dos políticos, tanto os que só conseguem ver votos à frente, tal como o Tio Patinhas vê cifrões; mas também dos que estão genuinamente preocupados com o problema de saúde pública que representa a convivência no mesmo espaço, de humanos e de motores emissores de fumos muito prejudiciais.

Convém aos construtores

É também uma solução que convém aos construtores de automóveis, pois os investimentos a que obriga, na reformulação das fábricas que até aqui produziam carros como motores de combustão simples, são baixos. Ouvi há pouco tempo, da boca de um representante de um grande construtor dizer que esse custo “é muito baixo e que não cria nenhum problema à linha de produção.” Depois de incorporados os componentes extra vindos de um fornecedor exterior, um híbrido “plug-in” não demora mais tempo a fabricar que um carro com motor de combustão simples. Nem é muito mais caro.

Deve usar-se o modo híbrido ou o modo de combustão fora das cidades e depois passar para o modo elétrico, assim que entra numa cidade.

É bom para todos, portanto. As marcas conseguem, com esses carros, bater a famosa barreira dos 50: emitir menos de 50 g/km de CO2 e proporcionar uma autonomia em modo elétrico superior aos 50 km. O utilizador só tem que carregar a bateria, um processo que demora menos tempo que numa bateria (muito maior) de um carro 100% elétrico e depois gerir a sua carga de acordo com os percursos que tiver de fazer. Isto é, deve usar o modo híbrido fora das cidades e depois passar para o modo elétrico, assim que entra numa cidade. Não se resolve por completo o problema da poluição global, mas reduz-se as emissões para cerca de metade e termina-se com a poluição dentro das cidades.

Só que este é o cenário ideal. É o cenário em que se apresentam as emissões com base no ciclo WLPT, que continua a ser laboratorial e que parte do princípio de que a bateria do carro “plug-in” está carregada, quando se dá início ao ciclo.
É também o cenário ideal, porque supõe que os utilizadores de um carro “plug-in” carregam a bateria com frequência e a utilizam nos locais apropriados, não esquecendo de acionar o modo “save” que guarda a energia restante na bateria para ser usada quando e onde é realmente precisa. Só que, isso, ninguém consegue garantir.

A “bronca” da Holanda

A Holanda foi o país da Europa que mais incentivos deu à compra e utilização de “plug-in”, com apoios que chegavam a representar o equivalente a 6000 euros por ano, ou mesmo mais. Claro que as vendas de “plug-in” dispararam e alguns construtores até fizeram versões desse tipo, só para o mercado holandês. Esta política foi apontada como exemplo a seguir por outros países. Até que o governo local percebeu que algo estava errado…
Tudo terá começado mais ou menos por acaso. Os proprietários do campeão de vendas local, o Mitsubishi Outlander PHEV, não resistiram ao instinto gregário e juntaram-se numa plataforma digital, onde registavam o número de vezes e a duração das recargas que faziam às baterias dos seus carros. Alguém do governo, provavelmente à procura de mais uma bandeira para defender a sua política de incentivos, decidiu visitar essa plataforma e qual não foi o seu espanto quando percebeu que, afinal, os utilizadores do “plug-in” não carregavam a bateria vezes suficientes para que o benefício da sua utilização fosse real.

Depois de terem o carro consigo e de carregarem a bateria umas poucas vezes, os utilizadores pura e simplesmente deixavam de se dar ao trabalho de o fazer.

Informações de outras fontes levaram o governo a concluir que os “plug-in” eram comprados apenas porque eram mais baratos. Depois de terem o carro consigo e de carregarem a bateria umas poucas vezes, os utilizadores pura e simplesmente deixavam de se dar ao trabalho de o fazer, e utilizavam os carros apenas com o motor de combustão.
Acresce a isto que, quando a bateria está vazia, o motor a combustão continua a acionar o gerador elétrico, para garantir a energia mínima que permita ao carro não perder em performance. Ou seja, gasta ainda mais gasolina.

Fuga para a frente

O governo holandês viu-se a contas com uma frota de “plug-in” fantasmas que enchiam as estradas mas não “enchiam” as baterias e tomou uma medida: decidiu anunciar a redução gradual dos incentivos aos “plug-in”, transferindo-os para os carros 100% elétricos. Uma fuga para a frente, acompanhada de outro anúncio: que a partir de 2030, não será autorizada a venda de carros novos que não sejam de emissões (locais) zero.
Este relato não é tirado de nenhuma novela, aconteceu. Era de esperar que tivessem sido tiradas lições deste caso, mas não me parece…

Ofensiva “plug-in” a caminho

No salão de Genebra que começa na próxima semana, tenho a certeza que vou ver a maior ofensiva de versões “plug-in” da história do automóvel. No entanto, duvido que sejam a solução para a redução efetiva da poluição nas cidades, pelo menos à escala a que ela é necessária.
Quem vai controlar se um carro “plug-in” está a rodar em modo elétrico ou a combustão, numa cidade? Como se controla se a bateria dos “plug-in” está ou não carregada? Confia-se na consciência ecológica dos condutores e pronto? Quantos a têm?…
O argumento de que o custo de utilização de um “plug-in” em modo eléctrico compensa, porque é mais barato do que usar apenas o motor a combustão pode ser uma ajuda. Mas, do outro lado está o desconforto que é ter que procurar um posto de carga, sujar as mãos a manipular os cabos e depois esperar horas e horas, todos os dias, até a bateria ter carga para uns míseros 50 km. Sei do que falo, já testei vários “plug-in”e a conclusão é sempre a mesma. Pode ler aqui o meu teste ao: Range Rover P400e: o rei vai… híbrido!

Conclusão

Dificilmente os “plug-in” vão resolver alguma coisa além da letra da lei. É como se os políticos estivessem a pedir para ser enganados. Mas são a maneira de ninguém perder a face. De todos manterem as aparências. Não é isso, a política?…

Francisco Mota