Numa mesa redonda virtual, Carlos Tavares, o CEO da Stellantis, falou sobre a eletrificação da indústria automóvel. Comentou os erros do passado e o caminho para o futuro. Tudo isto antes de o seu salário ter entrado na campanha eleitoral francesa.

 

Uma coisa é fazer uma entrevista cara a cara, outra, muito diferente, é participar numa mesa redonda virtual. O entrevistado consegue mais facilmente “escapar” a perguntas difíceis e “comandar” o andamento da conversa para o lado que lhe for mais conveniente.

Ainda assim, quando a Stellantis me convidou a participar numa mesa redonda virtual com o português Carlos Tavares, o CEO de um dos maiores conglomerados da indústria automóvel, não tive dúvidas em aceitar.

Tavares criou uma reputação de dizer aquilo que pensa, por vezes desprezando o politicamente correto e sempre defendendo os interesses da sua empresa e da própria indústria. Por isso, vale sempre a pena ouvir o que tem para dizer.

A polémica do salário

A conversa decorreu ainda antes das eleições francesas e de o seu nome ter entrado na campanha eleitoral, por via da discussão pública do seu salário de 19 milhões de euros, que ganhou em 2021.

A Stelantis sublinha que o salário de Tavares tem uma parcela 90% variável e que o valor apurado para 2021 decorre dos resultados excecionais da Stellantis. Mas Macron não podia deixar de atacar este assunto considerando o valor “chocante e excessivo” e Le Pen concorda.

Em oito anos, Tavares trouxe a PSA da quase falência para resultados recorde em 2021

Claro que, neste momento, não interessa discutir os “detalhes”, como o simples facto de Tavares ter “pegado” há oito anos numa quase falida PSA e de a ter trazido para o topo das empresas do setor automóvel com maior lucro, após a compra da Opel e da fusão com a FCA.

Os resultados de 2021

Feitas as contas 2021, a Stellantis fechou o seu primeiro ano de existência com um lucro de 13 354 milhões de euros, cerca de 2,8 vezes mais do que os resultados de 2020 da PSA e da FCA somados.

Apesar de o Estado francês ter 6,15% de participação na empresa, a verdade é que a Stellantis tem sede fiscal nos Países Baixos, por isso a ideia lançada por Macron, de estabelecer um teto salarial para os CEO é, neste momento, totalmente estéril.

Mas valerá Carlos Tavares os 19 milhões que ganhou em 2021? É difícil responder, mas a verdade é que os líderes da Ford e da GM ganham mais e não tiveram, nos tempos recentes, um percurso tão bem sucedido.

Os excelentes resultados de 2021 serviram para início da conversa com Tavares na mesa redonda virtual. Mas o português não embalou num discurso de auto-elogio. Pelo contrário, olhou para os últimos anos e apontou os erros.

Os erros da eletrificação

E o maior erro desta fase de eletrificação ficou bem claro nas suas palavras, que implicam uma crítica direta à classe politica: “deviamos ter começado pela energia limpa e não pelos veículos elétricos.”

Muitos têm apontado esta inversão de prioridades como um erro que dificultou a vida à indústria automóvel, ao mesmo tempo que desresponsabilizou os Estados da aceleração nas energias renováveis, permanecendo a enorme dependência dos combustíveis fósseis, com os resultados que conhecemos em termos de ambiente e da própria economia.

“Numa análise de ciclo de vida os veículos elétricos não chegam” para resolver a questão ecológica.

Mas, como Tavares sublinhou, “era mais fácil começar pelos veículos elétricos” um caminho que a classe política obrigou a seguir no imediato.

E isto apesar de Tavares alertar que “as baterias não são ecológicas para o planeta” e que “ numa análise de ciclo de vida, os veículos elétricos não chegam” para resolver a questão ecológica.

“Os veículos elétricos estão à venda, mas isso não chega. Só funcionam se o volume de produção for alto mas, para isso, precisam de ser mais baratos. Se forem caros e poucos, não têm impacto no planeta” concluiu Tavares.

O CEO e o cidadão

O CEO da Stellantis avançou ainda com um número: “hoje, é preciso um carro elétrico percorrer 88 000 km para amortizar o CO2 gerado na sua produção.”

Mas então, por que razão Tavares seguiu em frente com os elétricos? A resposta do português é bem clara e divide-se em duas partes. Por um lado, afirma que, como CEO, “a competitividade na indústria automóvel” obriga-o a investir na eletrificação.

Por outro lado, como cidadão, confessa que prefere uma “visão de 360 graus” do problema. E esta visão engloba olhar para a energia muito para lá dos automóveis, considerando toda a atividade humana.

“Hoje, os custos da energia e a sua distribuição são altos” afirma Tavares, que liga esta realidade com a crescente sensibilidade dos consumidores para a questão da mudança para as energias renováveis.

As dependências

O conflito na Ucrânia mostra a volatilidade do mercado da energia de origem fóssil, em relação a acontecimentos imprevisíveis, mas também mostra a dependência de alguns grupos industriais a determinados mercados locais, como é o caso do mercado automóvel da Rússia.

A Stellantis acaba de suspender a produção na sua fábrica da Rússia.

Se outros, como o Grupo Renault e a Aliança estão muito expostos à situação na Rússia, devido aos elevados investimentos que fizeram na indústria automóvel local, a Stellantis pode dormir mais descansada, pois a sua presença é pequena e a produção acabou mesmo de ser suspensa.

Mas este conflito mostra a necessidade de não depender muito de poucos mercados, como é o caso da China. “A VW e a GM estão muito expostas ao mercado chinês”, diz Tavares que acrescenta “como não somos muito rentáveis na China, não insistimos e até podemos reduzir a nossa presença. Não faz sentido ficar exposto a possíveis mudanças nas relações entre a Europa e a China.”

Conclusão

Voltando ao princípio e à posição da classe política europeia em relação à eletrificação do automóvel nos moldes em que tem sido feita, Tavares concluiu dizendo que “os políticos na EU, eleitos pelo povo, decidiram que os europeus não querem mais carros com motor de combustão a partir de 2035.” É tão simples como isto.

Francisco Mota

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