03/01/2020. O ex-líder da aliança Renault/Nissan/Mitsubishi, acusado de vários crimes no Japão, destituído do seu cargo, encarcerado, liberto sob caução e vigiado 24 horas por dia na sua casa, fugiu!.. Conheça os detalhes desta história, dignos de um filme do 007.

 

A realidade supera (quase) sempre a ficção. Mas quando penso que já vi tudo, eis que acontece alguma coisa que supera as expetativas, como a fuga de Carlos Ghosn do Japão, onde estava sob vigilância cerrada, 24 horas por dia.

Sou um fã confesso dos filmes do agente secreto Bond, James Bond. O 007 que tem licença para matar e tem sofrido às mãos dos maiores vilões do mundo ao longo de seis décadas.

E por vezes também às mãos dos guionistas, que nem sempre conseguem inventar uma história daquelas que nos agarram ao ecrã do primeiro ao último minuto.

Depois dos tempos da Guerra Fria, que foi um filão para as histórias de muitos filmes da série, vieram as organizações secretas e o terrorismo.

Talvez a produtora tenha no caso da fuga de Carlos Ghosn uma história perfeita, só resta saber se ele não a registou já para o livro que vai escrever – “Como escapei às garras da justiça japonesa” seria um bom título – e do filme para o qual vai, certamente, vender os direitos.

Proposta de “guião”

Para quem não está a par daquilo que estou a falar, aqui vai uma proposta de guião para o filme “Carlos 007 Ghosn – a fuga impossível”.Garanto que não vai ser preciso acrescentar grandes comentários aos factos para tornar tudo mais interessante. Ora veja.

A 9 de Março de 1954, Carlos Ghosn nasce em Porto Velho, no Brasil, filho de pais libaneses. O avô tinha emigrado da parte francesa do Líbano para o Brasil aos 13 anos e acabou sendo um homem de negócios com vários interesses.

Aos seis anos, Carlos mudou-se com a sua mãe para Beirute, onde residiam alguns familiares. Fez a escola básica e depois formou-se em engenharia já no politécnico de Paris.

Em 1978, Carlos entra para a Michelin onde ficaria durante 18 anos. Conseguiu recuperar os lucros da empresa na América do Sul e depois nos EUA.

Entrada na Renault

Em 1996, é contratado pela recém-privatizada Renault para tirar a companhia dos prejuízos, dada a fama que tinha adquirido na Michelin. Consegue bons resultados, racionalizando todas as áreas da empresa e fica conhecido como “Le Cost Killer.” Perfeito para um vilão do 007!

Em 1999, resolve os problemas financeiros da Nissan e ganha um novo nome: “Mr. Fix It”. Ainda melhor!…

Nos anos 2000, sobe ao estatuto de superherói no Japão, devido aos seus resultados positivos na Nissan. Chega a ser o protagonista numa “manga” da reputada banda desenhada japonesa.

A 1 de Abril de 2017 passa de CEO a “Chairman” da Nissan. Mas continua o seu plano de integração da Renault, Nissan e Mitsubishi, com vista à formação do maior grupo automóvel mundial.

Pisou alguns “calos”

Neste processo, incomoda muitos poderes instituídos nas duas marcas nipónicas. O maior dos quais terá sido o desmantelamento da “Keiretsu” a complicada rede de contratos com fornecedores externos da Nissan, que durava há décadas e envolvia muitos interesses.

A 19 de Novembro 2018 é preso no aeroporto de Haneda, no Japão, quando regressava do Líbano num jato privado. Acusado de declarações de rendimentos falsas e uso indevido de recursos da Nissan, denunciado por uma fonte anónima.

Ficou detido à espera de julgamento, que foi sendo consecutivamente adiado, à medida que subsequentes acusações foram sendo feitas contra si, alargando assim o prazo legal para a sua detenção, que totalizou 108 dias.

A 6 de Março de 2019 é libertado sob fiança. Tem que dar uma garantia bancária de nove milhões de dólares. Mas fica com liberdade reduzida: proibido de sair do Japão e obrigado a viver numa casa vigiada 24 horas por dia, sem acesso à Internet.

O quarto passaporte

A 30 de Dezembro de 2019 foge do Japão para o Líbano, apesar de o seu advogado japonês estar de posse dos seus três passaportes principais de cidadão francês, libanês e brasileiro. O advogado disse que ficou totalmente surpreendido.

Contudo, ele tem um quarto passaporte, um segundo passaporte francês, autorizado pelas autoridades japonesas e guardado num cofre de sua casa, cujo código de acesso era do conhecimento dos japoneses.

Mas as autoridades japonesas não têm registo da sua saída com este passaporte, ou com qualquer outro em seu nome, em nenhum dos aeroportos nacionais. Perfilam-se duas hipóteses: ou saiu com um quinto passaporte, com outro nome, ou fez um “by-pass” ao controlo de emigração. Ninguém sabe.

Dentro da caixa de um violoncelo?

São postas a circular várias versões sobre o método usado para a sua fuga, uma diz que as imagens das câmaras de vigilância de sua casa registaram a sua saída no dia 29 de Dezembro.

Mas a versão mais espetacular diz que se escondeu dentro de uma caixa de um instrumento musical e foi levado para o aeroporto de Osaka, no Japão.

À sua espera estava um jato privado, alugado a uma companhia libanesa, que o levou para o aeroporto secundário de Atatürk, em Istambul, Turquia.

Aí chegado, passou para outro jato privado, da mesma companhia, e voou para Beirute.

Entrada legal em Beirute

As autoridades do Líbano confirmam a entrada de Ghosn no país, usando o seu quatro passaporte legal, francês, e um cartão de cidadão libanês. Tudo legal, por estes lados.

Entretanto, as autoridades da Turquia começam a investigar sete pessoas envolvidas nos dois voos, o que aterrou e o que saiu de Atatürk.

Ghosn emite um comunicado, a partir de um gabinete de comunicação de Nova Iorque, confirmando que está no Líbano e que saiu do Japão sem a ajuda de ninguém da sua família, em particular da sua mulher, que tinha conseguido sair do Japão logo no início do processo.

Livrar-se da perseguição política

Segundo o comunicado de Ghosn, a sua saída do Japão teve como motivação “livrar-se da injustiça e da perseguição política” de que dizia estar a ser vítima no Japão.

Entretanto, a pedido do Japão, a Interpol emitiu um mandato de captura sobre Ghosn, que foi recebido pelo Estado do Líbano.

Contudo, não há nenhum acordo de extradição entre os dois países, o que levou o governo libanês a emitir um comunicado em que afirma “não existir a imposição de adotar procedimentos relativos ao Sr. Ghosn”, nem de o expor a “medidas judiciárias”.

Tudo somado, neste momento sobre Ghosn pendem quatro acusações na justiça japonesa: duas por lucros da Nissan não declarados à entidade bolsista japonesa (nas quais a Nissan também é visada) e duas outras, por abuso de confiança agravada.

Em França, Ghosn é investigado por dúvidas quanto ao financiamento da luxuosa festa do seu segundo casamento, organizada no palácio de Versalhes em 2016, além de abuso de utilização de bens sociais da Aliança e crimes de corrupção.

No Líbano, pende sobre ele um inquérito sobre uma viagem que fez a Israel, país que os cidadãos libaneses estão proibidos de visitar.

Neste momento, Ghosn está algures no Líbano com a sua mulher e já anunciou uma conferência de imprensa para o dia 8 de Janeiro, onde promete esclarecer tudo.

Conclusão

Muito sinceramente, já vi filmes do 007 com enredo muito pior do que este. E quando Ghosn falar, vai concerteza existir mais matéria para adensar ainda a história. Por isso, é mais que certo que terei de fazer algumas emendas a este “guião” preliminar. Mal posso esperar…

Francisco Mota

Para percorrer a galeria de imagens, clicar nas setas

Ler também, seguindo o link:

Será que o novo Juke ainda é o que era?