17/05/2019. Depois de anos de preparação, a VW apresentou o seu primeiro elétrico ID. Esqueça tudo o que viu até agora, porque esta nova família de modelos é que vai revolucionar a mobilidade elétrica.

 

Para muitos, talvez tenha parecido apenas mais um lançamento de um carro elétrico, ainda para mais apresentado debaixo de uma camuflagem que não deixa perceber as suas formas finais, uma manobra que se está a tornar num hábito entre algumas marcas e que deixa para o salão de Frankfurt a apresentação da versão final.

ID estreia plataforma MEB

O ID3, assim se chama o novo carro, é o primeiro modelo feito com base na plataforma exclusivamente elétrica do grupo VW, a MEB, que servirá de base a 20 outros modelos que a VW vai lançar até 2025.

A MEB é uma plataforma em “patim”, querendo com isto dizer que o fundo é constituído pela caixa da bateria. Por isso apenas poderá servir para carros elétricos.

É a prova de que a marca está completamente convencida do futuro dos elétricos. Se não estivesse, teria feito aquilo a que se chama plataforma multi-energia, as que podem servir tanto para carros elétricos como híbridos ou térmicos convencionais.

MEB é um risco?…

Nem todos os construtores estão dispostos a correr este risco, como o mostrou a PSA ou mesmo a Mercedes-Benz.
A confiança da VW no futuro dos elétricos pode também ser medida pelo volume do investimento que a marca está a fazer nos carros elétricos, estimado em nove mil milhões de euros, a somar ao recondicionamento de todas as suas fábricas na Alemanha, que passaram a estar prontas a fabricar carros elétricos.

Algumas dessas fábricas, foram totalmente convertidas para construir exclusivamente elétricos, o que não pode deixar de ser visto senão como um comprometimento sério. Estão também previstas três fábricas na China e uma nos EUA.

De onde vem a certeza da VW no futuro dos elétricos? Na verdade, basta olhar ao que está a acontecer na Europa para ver que os elétricos vão ter um papel fundamental na mobilidade. Goste-se ou não da solução, a verdade é que a escalada das exigências da classe política na Europa não param, no sentido de “obrigar” os construtores de automóveis a seguir esta via.

Já não vale muito a pena esgrimir argumentos contra a mobilidade elétrica, apontar as falhas na infra-estrutura de carregadores, na origem da eletricidade, na autonomia ou nos tempos de recarga das baterias. O comboio dos carros elétricos está em marcha e quem não o apanhar vai ter um futuro pouco risonho.

VW ID mais importante que Tesla?

Alguns dirão que a revolução já começou com a Tesla, ou com a Nissan e o Leaf. Mas nenhuma marca até hoje encarou a questão com a dimensão que a VW o está a fazer.

A VW vai massificar a produção de carros elétricos, com uma gama completa de modelos, que vão preencher todos os segmentos, dentro de poucos anos.

Em 2025, a marca espera liderar o mercado dos automóveis elétricos, com vendas anuais de um milhão de unidades. O primeiro é o VW ID3 que agora mostrou e que vai começar a ser fabricado já em 2020. Mas depois vão chegar muitos mais, para todos os gostos, incluindo os obrigatórios SUV.

O novo “carro do povo”

A VW diz que o ID3 vai ficar na história como um modelo tão marcante e revolucionário como o Carocha ou o Golf. Não por oferecer uma tecnologia inovadora, mas porque a marca vai tornar os elétricos num produto relativamente acessível e capaz de gerar lucro para o grupo.

O volume de produção vai deixar de ser de centenas de milhar e vai passar a contabilizar-se em milhões, a cada ano.

Claro que a VW não vai conseguir transferir a sua produção de dez milhões de carros com motor térmicos feitos por ano, para a plataforma MEB. Pelo menos nos próximos anos. Mas a oferta vai ser de tal forma completa que muitos compradores vão começar a pensar seriamente em comprar um carro elétrico.

Não vão ser só os consumidores mais desafogados economicamente a poder ter um carro elétrico. O plano da VW é voltar a fazer um “carro do povo”, só que na geração elétrica.

Autonomia, isso interessa?…

Uma das tarefas que a VW, e todos os construtores interessados no tema, vai ter pela frente é a comunicação aos potenciais clientes. Como me dizia um “insider” da indústria há poucos dias: “não compreendo por que razão as marcas continuam a fazer o marketing dos seus carros elétricos com base na autonomia, que é o seu ponto fraco.”

Os construtores vão ter que mudar o foco e acabar com a “ansiedade da autonomia”, não só propondo baterias com mais autonomia, mas fazendo uma comunicação que mostra aos clientes não ser esse o problema.

Muitas vezes ouvi altos responsáveis de vários construtores dizerem que todos os estudos mostram que a maioria dos condutores faz muito menos quilómetros por dia do que pensa. E que as autonomias de alguns dos melhores elétricos já chegam e sobram para, em alguns casos, só ter que carregar o carro uma vez por semana. É uma questão de mentalidades, que terá o seu fim.

Recarga é o problema

Há quem defenda que a autonomia “não é, nem nunca foi, um problema” concretizando dizendo que “o problema é o carregamento das baterias.”

Parece-me um raciocínio lógico, que aliás comprovo com o meu smartphone todos os dias. Desde que a bateria dure um dia, isso para mim chega, pois quando vou dormir ligo-o à tomada e a bateria volta aos 100% muito antes de acordar de manhã.

Mas, se na minha casa não faltam tomadas, o mesmo não se passa na rua, como os carregadores das baterias dos carros elétricos.

Concordo plenamente com a necessidade urgente de banir os automóveis com motores térmicos das cidades, onde poluem o ar que os habitantes respiram, sendo uma das maiores causas de doenças. Mas isso não devia ter já começado com os transportes públicos coletivos?…

Não vejo os políticos a investir o suficiente na transferência energética dos autocarros para a propulsão elétrica, nem os vejo a planear investimentos em carregadores públicos para carros elétricos. Nem me parece que isso alguma vez vá acontecer, pois os Estados não têm capacidade financeira para o fazer.

Carregadores públicos não servem

Os carregadores públicos que sobrevivem nas ruas são pouco mais do que inúteis, dada a lentidão da recarga e a sua raridade. Nas cidades maiores, estão sempre ocupados.

Vão ter que ser os construtores, ou empresas ligadas à energia, a fazer esse investimento, e tem que ser nos próximos meses.
O problema da recarga das baterias é o mais difícil de resolver e aquele a que tem sido dada menos atenção, mas há movimentações de associações de construtores que se propõem a pegar no assunto com as suas próprias mãos e avançar para a instalação de carregadores.

Falta de baterias

Para a Volkswagen, subsiste o mesmo problema que atinge todos os construtores de carros elétricos: o fornecimento de baterias para equipar a família de modelos ID.

Neste momento, todos os construtores estão dependentes dos fornecedores de baterias, na sua maioria localizados na China. E isso é um problema sério para uma produção que se quer sem interrupções, levando a listas de espera que já chegam aos doze meses, em algumas marcas.

Não vai ser fácil resolver a questão, enquanto não forem construídas mais fábricas, de preferência na Europa. Tanto mais que parece óbvio que as baterias de nova geração, com electrólito sólido, não vão chegar ao mercado nos próximos seis anos.

Conclusão

Nenhum construtor teve até agora a coragem de fazer uma aposta tão grande nos elétricos como a Volkswagen. Outros preferem soluções mais versáteis em termos de plataforma, para poderem fazer variar os volumes de produção de elétricos, híbridos ou térmicos de acordo com a procura do mercado.

É certo que o caso “Dieselgate” terá servido também como um impulso para a VW fazer esta aposta tão grande nos elétricos. Se funcionar, será a melhor maneira de limpar a face e dar a volta por cima. Para já tudo começou bem.

As unidades de lançamento do ID3 que a VW colocou em pré-encomenda esgotaram-se imediatamente, tal como tinha acontecido com o Tesla Model 3. Mas a VW vai precisar de muitos mais compradores do que os chamados “early adopters” para fazer o seu programa ID vingar. Pessoalmente, tenho a convicção que o ID3 vai mesmo ficar na história, só espero que seja pelas melhores razões.

Francisco Mota