30/11/2018. Há um português que anda a salvar marcas de automóveis da falência certa, o seu nome é Carlos Tavares e já se tornou numa figura carismática na cena da indústria automóvel mundial. O seu segredo?… Segundo ele próprio, é o pragmatismo, a capacidade de se adaptar rapidamente a novas situações e um instinto para descobrir as novas tendências. Há quem diga que é o rei do caos e que instiga a mentalidade de uma “start-up” em empresas centenárias.

Ao contrário de outros grandes gestores, que assentam a sua atuação nos despedimentos e no fecho de fábricas, Tavares tem uma maneira de atuar completamente diferente, que começou a ser conhecida quando era o número dois da Aliança Renault/Nissan mas que tomou outras proporções a partir da altura em que passou para a rival PSA, em 2014, numa transferência que teve tanto de estratégica como de confronto de personalidades com o seu antigo “chefe”, o controverso Carlos Goshn, que anda agora às voltas com a justiça japonesa, acusado de irregularidades financeiras.

Conversas em inglês

Ao longo dos últimos anos, entrevistei Carlos Tavares várias vezes, na maioria dos casos em mesas redondas com outros jornalistas internacionais, durante salões do automóvel. Por isso, a conversa entre dois portugueses foi sempre em inglês, à parte algumas palavras de circunstância no final de cada sessão. A única vez que consegui conversar com Tavares em português foi durante o Rali de Monte Carlo do ano passado, quando partilhamos o mesmo helicóptero para ir assistir à estreia da nova geração de carros do WRC. Encontrei um apaixonado pelo desporto automóvel, um CEO que não se importa de calçar as botas, meter um gorro na cabeça e ir para o cimo de uma montanha gelada ver os carros passar. Falámos essencialmente de desporto automóvel e dos planos que então tinha para as suas marcas.

O pragmatismo de Tavares não teve problemas em reverter a decisão inicial: Ogier assinou mesmo com a Citroën para a temporada de 2019

O tópico da altura era perceber a razão pela qual a Citroën não tinha contratado o então quádruplo campeão mundial de WRC, Sébastien Ogier, quando ele ficou sem volante, após a saída da VW do campeonato. A Citroën deixou Ogier fugir para a equipa semi-oficial da M-Sport. “Queremos dar lugar aos pilotos mais jovens”, foi a justificação de Tavares na altura. Dois anos depois, o enorme favoritismo da equipa Citroën no WRC não se concretizou em vitórias, muito menos em títulos. Pelo caminho, Kris Meeke foi despedido, por excesso de acidentes e o pragmatismo de Tavares não teve problemas em reverter a decisão inicial: Ogier assinou mesmo com a Citroën para 2019, após ter ganho mais dois campeonatos do mundo com a M-Sport, no entretanto.

Contra os elétricos…

Tavares foi também uma das vozes mais críticas em relação às exigentes normas anti-poluição emanadas da comissão europeia e a consequente vertigem dos construtores de automóveis na direção do desenvolvimento de carros elétricos. O português teve várias intervenções muito fortes acerca do assunto, dizendo que os construtores se estavam a dirigir para o precipício. Mas quando chegou o momento em que entendeu não ser possível inverter a tendência, não perdeu tempo a mudar a sua política de produto e já no Salão de Genebra deste ano apresentou os seus primeiros modelos eletrificados, para entrar rapidamente nesse mercado.

Salvar a PSA

A sua entrada na PSA aconteceu numa altura em que, nas palavras de Tavares, a companhia “vivia uma experiência de quase-morte” por isso a sua missão era “simplesmente” salvar um construtor de automóveis ainda com origem familiar mas em que o estado francês e o construtor chinês Dongfeng tinham entrado como acionistas. A família Peugeot perdia o controlo da companhia, ao fim de oito gerações mas era numa tentativa de resolver as coisas com uma injeção de capital e com o apoio do estado francês, no plano social.
Mas lançar dinheiro em cima de uma empresa mal gerida raramente é a solução. Tavares mudou a maneira de pensar da PSA, reduzindo custos através da simplificação de processos de trabalho, da partilha de componentes entre as várias marcas e com uma política de preços ao público totalmente diferente da anterior. Em vez de aplicar descontos, por tudo e por nada, que era o que se passava sobretudo na Citroën, as ordens passaram a ser de valorizar os modelos das marcas, com destaque para a Peugeot, que foi recolocada como a marca de maior imagem, entre as generalistas, subindo os preços.

O plano funcionou e até incluiu o relançamento da marca de luxo DS, que Tavares anunciou, sem problemas, ter pela frente um caminho de quinze anos até poder ser comparada às melhores marcas “premium” alemãs. Ainda é cedo para tirar conclusões, mas o facto é que o DS7, o primeiro verdadeiro novo modelo da DS, tem registado vendas acima das expectativas.

Salvar a Opel/Vauxhall

Mais recentemente, a aquisição da Opel/Vauxhall à GM, foi vista com algum cepticismo por muitos observadores da indústria. A ideia de Tavares era muito simples: “queremos a Opel para aumentar o negócio no mercado alemão. Para ter uma marca capaz de ser vendida aos consumidores alemães que nunca comprariam um carro francês.” A mudança de dono aconteceu numa altura particularmente favorável da Opel, após duas décadas a dar prejuízo. A partilha de plataformas e de fábricas entre a Opel/Vauxhall e a PSA para a construção dos SUV CrosslandX e GrandlandX, que partilham mais do que se pode ver com o Citroën C3 Aircross e o Peugeot 3008, respetivamente, já estava em curso dois anos antes da compra da Opel ter acontecido. Por isso a notícia de que a Opel tinha voltado aos lucros, poucos meses depois de Tavares ter tomado conta da empresa, teve outras razões que não só o “toque de Midas” do português.

Mudança de mentalidades

Mas basta falar com alguém que trabalhe na Opel para perceber a alteração de cultura que Tavares já conseguiu incutir na marca. “Com a GM, havia sempre dinheiro para tudo, por vezes para desenvolver componentes caros, que não eram realmente necessários” confidenciou-me uma fonte oficial da Opel. “Engenharia alemã e dinheiro americano” foi durante muito tempo o lema da Opel/Vauxhall, nem sempre levado à prática da melhor maneira, e certamente longe da melhor rentabilidade. Agora, as coisas são diferentes, com um controlo muito mais apertado dos custos e uma mudança de mentalidades. Não será um processo fácil, sobretudo para alguns quadros da Opel/Vauxhall, habituados a ter muita autonomia face aos distantes americanos a quem prestavam contas. Agora têm os franceses a quem reportar, mesmo ali ao lado…

Tavares não fecha fábricas

Tavares é conhecido por não fechar fábricas nem fazer despedimentos em massa, em vez disso, coloca as unidades fabris em competição umas contra as outras, na disputa pelo privilégio de fabricarem cada novo modelo que vai sendo lançado. Dizem-me da PSA que uma das suas estratégias motivacionais preferidas é dizer “mas eu sei que és capaz de fazer ainda melhor”, quando lhe apresentam uma boa ideia ou um bom resultado financeiro. Não deve ser fácil ouvir isto, quando se pensa que se fez um bom trabalho, mas é a maneira de não baixar a guarda, de manter o barco a navegar a todo o vapor.
Ter a agilidade necessária para mudar o rumo sempre que a situação o exige é a sua postura. Uma atitude que lhe permitiu subir ao primeiro lugar entre as marcas europeias, ultrapassando a toda-poderosa Volkswagen em Setembro. Não que a PSA se ande a gabar do feito “nós continuamos a fazer o nosso trabalho, estávamos preparados para as alterações nas leis das emissões” disse-me Jean-Philippe Imparato, o CEO da Peugeot, durante o lançamento mundial do 508 SW em Cascais, justificando assim que as vendas da PSA não tenham caído como as do grupo VW, que foi obrigado a suspender algumas versões dos seus modelos até estarem homologadas segundos as novas normas.

Conclusão

Carlos Tavares é um português que conseguiu chegar ao topo da sua área de atividade, num país como a França, que não é propriamente conhecido por ter a melhor imagem quando se trata de valorizar o que não é francês. Mas os resultados de Tavares falam por si, e tenho a certeza que vamos continuar a ver os frutos da sua liderança durante muitos anos.

Francisco Mota

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