Quando se fala de carros, todos temos os nossos sonhos. Alguns sonham em encher uma garagem de hiperdesportivos milionários, mas para muitos outros, um carro chega.

 

Entre amigos que gostam de carros e não têm dinheiro para comprar todos os que queriam, há um passatempo que se chama: “A garagem de sonho”. As regras são muito simples: depois de estabelecido um orçamento, cada jogador escolhe os carros que compraria para guardar na tal garagem.

Não raramente, um dos jogadores pede uma adenda ao regulamento, abolindo o orçamento mas estabelecendo uma quantidade de carros. Por exemplo dez.

Qual é a sua garagem de sonho?

Para si, se o dinheiro não fosse um problema, quais seriam os seus dez carros de sonho? Quais seriam os dez carros que compraria para guiar, consoante a ocasião?

Não vale escolher exemplares únicos que não estão à venda, nem clássicos que não podem ser guiados na via pública, mas se escolher um carro que só pode guiar num “track day”, ninguém leva a mal.

Era esta a pergunta do meu passageiro enquanto eu guiava o novíssimo Porsche 911 Carrera 4S, o da nova geração 992. Mas não deixei que a pergunta me distraísse do que estava a fazer, que era guiar o 911 da maneira para a qual ele foi feito.

Continuei a puxar o seis cilindros boxer até perto do “red-line”, antes de dar mais uma gatilhada na caixa e voltar a sentir os dois turbos a soprar para dentro dos cilindros. Seis explosões perfeitamente sincronizadas depois, a gasolina queimada é expelida pelo escape desportivo, não sem antes gerar um ruído que, aos meus ouvidos, é pura música. Lírico, eu?…

Dois chegam…

A minha resposta desconcertou o meu interlocutor: eu escolhia apenas dois carros. Evitava os SUV e comprava a melhor carrinha do mercado, para as viagens em família e depois… um 911!
Com tantos carros por onde escolher, porquê só dois?… Inquiriu ele. Porque, para mim, chega.

Todos temos um sonho

Como muitos da minha geração, cresci a sonhar com um 911 e quando os comecei a guiar, por motivos estritamente profissionais (é claro!…) cedo percebi que a fórmula nunca deixou de estar certa, apesar do que muitos dizem.

O motor no “sítio errado” já nem era uma contingência, quando o 911 nasceu em 1963, essa herança técnica da VW tinha ficado com o anterior 356. As vantagens do motor atrás, com cilindros horizontais opostos, é óbvia desde o início: permitir ao habitáculo ter quatro lugares e uma visibilidade perfeita.

Em 2019, tudo isso continua atual. Mas a nova geração 992 mudou muito, face ao 991.2

A geração 992

Sem voltar ao “testamento” que escrevi após o “workshop” técnico a que assisti há uns meses (pode ler seguindo este link: Novo Porsche 911: saiba (mesmo) tudo sobre a oitava geração ) vou resumir as evoluções em poucas linhas.

A estrutura passou a ter muito mais alumínio que aço, numa proporção 70/30 e os painéis da carroçaria também são em alumínio. A rigidez torcional subiu 5%.

A distância entre-eixos é a mesma, fazendo do 992 um primo chegado do 991, mas as vias são mais largas e deixou de haver uma carroçaria estreita. As jantes de frente são de 20” e as de trás são de 21”, uma ideia que começou nas versões GT do 911.

A asa traseira tem uma área 45% maior e assume mais posições, as lamelas no para-choques da frente são móveis, os fechos das portas são retráteis e os faróis são “full-LED”.

O motor continua a ser o 3.0 boxer de seis cilindros, mas agora com 450 cv (mais 30 cv) nesta versão 4S e com 530 Nm de binário máximo, entre as 2300 e as 5000 rpm.

Tem dois novos turbos simétricos que “sopram” até aos 1,2 bar de pressão; e tem abertura assimétrica das válvulas de admissão, além de outras alterações.

A caixa PDK de dupla embraiagem passou a ter oito relações e a prever já um espaço para o motor elétrico, quando o 911 receber a sua versão híbrida, em 2020.

Faz passagens mais rápidas e tem menos atritos internos. Nesta versão de quatro rodas motrizes, a transmissão passa potência para as rodas da frente mais depressa e com menos perdas.

A direção é 6% mais direta e os amortecedores ajustáveis passaram a ser de série.

E por dentro?

Isto não acaba aqui, pois também o habitáculo recebeu um painel de instrumentos novo, em que só o conta-rotações central é uma peça “física”, dos lados tem dois monitores de alta definição.

O monitor central tátil de 10,9” tem melhor desempenho e deixou ficar de fora alguns botões de utilização mais frequente, como o dos amortecedores e o do controlo de estabilidade.

A alavanca da caixa foi substituída por uma espécie de interruptor que, digo já, é a pior parte do 992: feio e pouco prático de usar nas manobras.
O botão rotativo do volante, para escolher os modos de condução passou a ter um modo “Wet” que o condutor deve seleccionar quando os novos sensores acústicos, colocados atrás das rodas, o avisarem que a estrada está mesmo molhada.

Os opcionais são…

É impossível avaliar um 911 sem ter em conta os opcionais de unidade ensaiada, porque na Porsche as possibilidades de alterar a experiência de condução são muitas.

Neste caso, o 911 Carrera 4S estava equipado com barras estabilizadoras ativas, vetorização desportiva de binário, direção às rodas traseiras, direção desportiva, travões de carbo-cerâmica e o escape desportivo. O pacote Sport Chrono, que inclui o seletor dos modos de condução e “launch control”, também estava presente.

Antes da Serra, a cidade

O espaço no habitáculo é o suficiente para dois adultos e duas crianças; e na mala da frente cabe mais do que parece. Coloco a suspensão no modo mais macio, o Normal e a caixa em D: o 911 4S faz o dia-a-dia com facilidade.

É um carro pequeno, pelos padrões atuais, confortável mesmo nos maus pisos e com a caixa a escolher sempre a maneira mais eficiente e tranquila de fazer o seu serviço. Talvez esta direção desportiva seja um pouco pesada para alguns, mas há opção por uma mais leve.

Guiado com atenção ao acelerador, gasta menos de 13,0 l/100 km. Com menos cuidado, sobe para a casa dos 15,0 l/100 km, isto em cidade.

Em autoestrada, a circular dentro dos limites, é possível baixar dos 10,0 l/100 km, usufruindo do função “bolina” da caixa automática. Mas neste terreno não tenho muito mais a dizer.

Continua a ser confortável, estável, fácil de guiar, mas faltou-me a “autobahn” sem limite de velocidade para testar o desempenho à velocidade máxima anunciada de 306 km/h. Acredito que não se passe nada…

“Launch control”

Já fora da autoestrada, numa reta deserta no meio do nada, consegui fazer um arranque com “launch control” que mostrou toda a eficácia do sistema.

Pé esquerdo no travão, pé direito no acelerador a fundo, a gestão estabiliza o regime do motor e largo o travão: a cabeça encosta ao apoio do banco enquanto as quatro rodas se agarram ao asfalto e atiram o 911 para diante, desprezando os seus 1640 kg.

Em 3,4 segundos estou a 100 km/h, com a caixa a fazer as mudanças quando muito bem entende. Eu só tenho que manter o pé direito em baixo e agarrar-me bem ao volante, porque a estrada não é perfeita e pede algumas correções.

O progresso face ao anterior 4S foi de 0,4 segundos, mas com o pacote Sport Chrono, ganha-se mais 0,2 segundos. Pense bem, um Porsche 959 era o supercarro topo da gama em 1986, tinha os mesmos 450 cv e fazia os mesmos 3,4 segundos. Foi a este ponto que chegámos…

Venham as curvas!

Mas um 911 dá sempre mais prazer nas curvas que nas retas e eu escolhi-as bem para este teste. Médias, rápidas, lentas, quase todas com bom piso, mas algumas com ressaltos traiçoeiros.

Com este cenário, não há muitas dúvidas, é escolher o modo Sport Plus, desligar o controlo de estabilidade e ir escolhendo o nível de amortecimento de acordo com o piso. O tempo ajudou, com piso seco mas sem demasiado calor para não derreter os GoodYear em poucos quilómetros.

Com uma posição de condução excelente, bem sentado nos bancos desportivos e com o volante GT nas mãos, ambos opcionais, o que impressiona logo é o temperamento do motor.

Apesar de ter o binário máximo a partir das 2300 rpm, a verdade é que a resposta é sempre tão pronta que nem parece ser turbocomprimido. Claro que a caixa de oito dá aqui uma ajuda, mas comandada pelas patilhas fixas ao volante (podiam ser um pouco maiores) nem tem que esconder nada.

E depois é a performance a altos regimes que encanta, com o som a tornar-se cada vez mais metálico à medida que se chega perto do corte, às 7500 rpm. Um motor com muito que explorar, não é só um gerador de potência.

Condução instintiva

Nas primeiras curvas feitas com vontade, a direção mostra precisão, rapidez e, acima de tudo, fidelidade: as mãos sabem ao milímetro como é o relevo do piso que as rodas da frente estão a pisar.

Por isso, os movimentos dos braços são quase instintivos, o carro pede, o condutor faz e depois volta a ser a vez do carro. A direção às rodas traseiras simplesmente não se sente, o que é o maior dos elogios que se lhe pode fazer.

A sua afinação está de tal modo bem feita que apenas o resultado é escrutinável, pela ausência de subviragem, quando se leva mais velocidade para dentro das curvas. Longe vão os tempos das oscilações da frente, que eram típicas dos 911.

Casamento perfeito

Outro exemplo de colaboração perfeita encontra-se entre os amortecedores e as barras estabilizadoras ativas. O resultado poderia ser um carro duro, com tendência para saltar ao mínimo ressalto do piso, mas não.

Aqui, o que se sente é uma tremenda estabilidade em apoio, com as massas bem distribuídas pelas quatro rodas, com a ausência de inclinação lateral a proporcionar uma base de trabalho estável.

Não é preciso grande preocupação com as transferências de massas, isso está tratado, o condutor só tem que se concentrar na trajetória e nas correções necessárias. Dizer que parece um kart, seria um insulto.

Tracão às quatro

E chega a altura de voltar ao pedal da direita. A transmissão às quatro rodas deixa sempre os puristas com reservas. Mas esta renovada geração mostra, na estrada, que não há razões para isso.

A prioridade da distribuição de binário é sempre o eixo traseiro, só depois passa para a frente e isso sente-se bem quando se acelera cedo, antes da saída de uma curva média.

A traseira ensaia uma deriva que necessita de correção no volante, mas isso acontece com o 911 a continuar a avançar e a realinhar rapidamente o carro com a próxima reta.

Face à versão de tração atrás do 992 que já guiei – ressalvando que foi num cabrio e à chuva – as sensações são claramente diferentes, com mais eficiência e menos espetáculo, aqui com a versão Plus da vectorização de binário a fazer muito bem o seu trabalho: discreta e eficaz.

Travões de carbono: valem a pena?

Mais uma reta e mais uma curva a aproximar-se, a oportunidade para pedir tudo o que os travões de carbo-cerâmica têm para dar, e é muito.

Desde que estejam quentes, o ataque inicial é muito decidido, tanto mais quanto mais força se fizer. A potência é excelente, o doseamento fácil e nada a dizer da resistência. Custando mais de nove mil euros, são o opcional mais caro do carro, mas valem bem a pena.

Conclusão

Dizer exatamente qual foi a área em que o 992 mais evoluiu, face ao 991.2, não é fácil. Eu diria que foi em todas por igual.

O que realmente fica da experiência de o guiar a fundo em estradas conhecidas, é uma dinâmica muito consistente e muito fácil de perceber. Apesar de todas as soluções técnicas empregues, o 911 não perdeu o tato orgânico de sempre e que tem feito tantos entusiastas da condução desportiva apaixonar-se por ele.

Se o 992 realmente precisa de todos os opcionais mecânicos que esta unidade tinha, é uma resposta que não posso dar, por agora. Precisaria de guiar uma unidade sem eles. Mas, para quem tem a oportunidade de especificar o seu 992 sem olhar para a conta bancária, só posso dizer que vale bem a pena ficar com o “arsenal” completo.

Potência: 450 cv
Preço: 159 241 euros
Veredicto: 5 (0 a 5)

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Para ver este Teste Porsche 911 Carrera 4S em vídeo, siga o Link: https://youtu.be/vqzp5r1u9HI