É possível juntar num só carro o prazer da condução realmente desportiva, a facilidade de utilização diária, um habitáculo que sirva à família e ainda consumos aceitáveis? Não é fácil, mas o Fiesta ST está muito próximo de acertar em tudo.
Quando, no fim de um teste, conto as páginas que escrevi no meu bloco de notas e vejo que quase cheguei à dezena, é sinal de que há muito para dizer. Claro que nem sempre são coisas simpáticas, mas desta vez a tinta saiu da esferográfica com enorme bondade. Há aqui muita “matéria” para comentar!…

Os entusiastas

O Fiesta ST, tal como o seu antecessor, é feito por engenheiros entusiastas da condução, homens com imensa experiência e com uma maneira muito própria de afinar um carro. Basta guiar qualquer Ford para perceber o que eles fazem no complexo de desenvolvimento em Lommel, na Bélgica. Tive o privilégio de lá ir, por ocasião do pré-lançamento do anterior Fiesta ST e percebi a atenção ao detalhe que eles colocam nas versões desportivas. O domínio que têm das ferramentas informáticas, que lhes permitem pôr os Ford a curvar como curvam. E a maneira pragmática como resolvem os problemas, sem precisarem de estar sempre a exigir mais orçamento à administração. Algumas marcas não perderiam nada se fizessem uma visita de estudo a Lommel.

Mudou mais do que parece

O novo Fiesta ST não é só uma actualização do anterior, mudou muita coisa, desde logo o motor, que passou de um quatro cilindros 1.6, para um três cilindros 1.5. Antes de alguém o guiar já havia um coro de chorões a berrar pelo antigo quatro em linha. Mas não foi preciso muito tempo para que o novo três cilindros fizesse a unanimidade, ou quase.
O estilo também mudou, com os farolins traseiros verticais substituídos por uns horizontais, bem mais vulgares. A grelha “Aston Martin” foi alterada e claro que as jantes de 18” têm outro desenho, mas a verdade é que o aspeto é muito próximo ao de qualquer Fiesta ST-Line. Para quem gosta de dar nas vistas, esta não é a escolha certa.
Tal como nos outros Fiesta desta geração, o habitáculo foi o que mais melhorou, não só na qualidade dos materiais, agora no topo do segmento, como no monitor de infotainment, rápido e fácil de usar. A posição de condução do ST ganha bancos Recaro com altos suportes laterais, que encaixam o corpo muito bem. Mas os condutores mais “largos” vão queixar-se de que o assento é estreito e têm razão. As regulações do volante e banco são tão amplas que é impossível não encontrar uma posição de condução mesmo “à medida”. Para o meu gosto, só preferia que a alavanca da caixa fosse mais alta e que o volante fosse mesmo redondo.

Familiar sem “mas”

O botão “engine start” fica escondido pelo volante, merecia um local mais vistoso porque pôr o três cilindros em marcha é um momento especial. Mesmo sem acelerar, o som é muito mais grave e poderoso do que se poderia pensar. A sua resposta na condução citadina é muito suave e progressiva, quase sem atraso do turbo; e a caixa de velocidades tem aquele tato preciso e decidido que dá gosto usar. A direção tem o peso certo e uma ação linear: é mais direta que a dos outros Fiesta mas o raio de viragem também é 1,0 metros maior.
Para pequeno desportivo, sem amortecedores ajustáveis, o conforto em mau piso é mais que aceitável, com o ST a exibir aquele pisar que informa o condutor do estado da estrada, sem o incomodar com solavancos exagerados. Em via rápida ondulada, há um pouco daquele efeito “tuning”, que faz abanar a cabeça, para cima e para baixo, mas nada de grave.

A velocidade estabilizada, o motor até desliga um dos cilindros, ficando a trabalhar só com dois, para poupar gasolina

O espaço interior é melhor em comprimento que em largura, mas cumpre os deveres familiares, mesmo nesta versão de três portas, uma opção que vai sendo rara no segmento. Também há carroçaria de cinco portas, para quem preferir passar ainda mais despercebido e facilitar a entrada a quem for para o banco de trás. A mala leva 311 litros e há porta-objetos mais que suficientes. Ou seja, no dia-a-dia, é um utilitário fácil de usar, com espaço e conforto e que consumiu um pouco menos de 9,0 l/100 km, em percurso misto e sem grande preocupação com o acelerador. A velocidade estabilizada, o motor até desliga um dos cilindros, para poupar gasolina.

Vamos à Fiesta!

Até aqui, tudo bem. Mas e a parte que realmente interessa? Como é o Fiesta ST a andar depressa? No primeiro dia deste teste, chovia e os excelentes pneus Michelin Pilot Super Sport mostraram que precisam de aquecer para ganhar a aderência necessária para lidar com os 200 cv e 290 Nm. Até chegar a hora, era melhor deixar o botão dos modos de condução (também merecia outro destaque na consola, outro “teatro”…) em Normal e o ESP ligado.

Arranque a fundo com o “Launch Control” e as rodas da frente metem todos os 200 cv no chão, chegando aos 100 km/h em 6,5 segundos

Mas assim que a borracha ganhou calor e o piso começou a secar, o Fiesta ST mostrou aquilo que é: um dos melhores carros de tração à frente do mercado. Ponto.
Arranque a fundo com o “Launch Control” e as rodas da frente metem todos os 200 cv no chão, chegando aos 100 km/h em 6,5 segundos, apenas com um leve vadiar lateral, enquanto o autoblocante Quaife procura aderência, à esquerda ou à direita. O motor sobe com inesperada vontade, entrando pelo “red-line” e cortando às 6500 rpm ainda com vontade de dar mais. Claro que, por esta altura, já tinha passado pelo modo de condução Sport e tinha ido diretamente para o modo Pista, com o ESP totalmente desligado e o escape a largar detonações como um WRC.

Tudo “certinho”…

A obediência da direção aos movimentos dos punhos é imediata sem ser nervosa. A frente vai exatamente para onde se aponta, com muito pouca inclinação longitudinal, na travagem antes da curva e quase nenhuma inclinação lateral, quando se mete o carro à curva. A atitude neutra continua mesmo quando se acelera forte e antes do tempo: o autoblocante faz o seu trabalho, sem efeitos secundários no volante, colando as rodas à trajetória escolhida pelo condutor. Quanto mais se vira o volante e quanto mais se acelera, mais o Fiesta ST se empenha na curva, com uma boa ajuda da vectorização de binário. Brilhantemente eficaz e muito mais rápido do que os 1262 kg poderiam deixar antever.
A suspensão traseira só é igual à dos outros Fiesta na teoria: usa um eixo de torção. Mas é o eixo de torção mais rígido de todos os carros da marca, o que lhe faz levantar a roda traseira interior, em algumas curvas. Este “alçar da roda” vale sobretudo em publicidade, nas fotos de ação que todos os jornalistas se esforçam por fazer, mostrando esta habilidade canina.

… ou mais “malabarista”

Mais interessantes são as molas traseiras em forma de “banana”, que, ao serem comprimidas, conseguem manter o pneu em perfeito contacto com o asfalto, evitando assim ter que usar casquilhos muito duros, para os apoios do eixo traseiro. Ganha a eficiência e o conforto.
Mas o Fiesta ST não faz só o número da eficiência. Também sabe divertir o seu condutor “à moda antiga.” Esquecendo a teoria do carro mais rápido de A a B e preferindo o mais divertido de C a D descobre-se outro Fiesta ST.
Em vez de o levar colado ao asfalto, que tal prolongar a travagem para depois do primeiro golpe de volante e sentir a traseira a deslizar suave mas decididamente? É um daqueles exercícios irresistíveis para quem gosta de desportivos de tração à frente: ver até que ponto é possível curvar quase sem virar o volante. Desacelerando bruscamente, enquanto se mete o carro em curva, para ver a suspensão traseira fazer um número de malabarismo que até pode pedir um pouco de contrabrecagem, para ficar mais emocionante, mas que nunca deixa de ser progressivo e previsível. O Fiesta ST deixa fazer tudo isto e até uma provocante travagem de pé esquerdo a meio da curva, para “matar” qualquer subviragem que se tenha esgueirado para as rodas da frente. É que o nível de confiança é tanto que incentiva a ir cada vez mais depressa, para dentro da próxima curva.

Ai, os travões!…

A brincadeira só tem que parar quando vem ao de cima o único ponto fraco do Fiesta ST, os travões. Ao fim de uns trinta quilómetros em ritmo rápido, numa estrada com muita aderência e com muitas curvas, os travões começam a perder eficiência. O pedal não vai ao fundo, mas as distâncias de travagem aumentam muito e obrigam a fazer alguns quilómetros mais tranquilos para os deixar arrefecer. Já me tinha acontecido o mesmo na apresentação internacional do Fiesta ST, no Sul de França. E lembrei-me de um episódio igual ao volante do anterior Focus ST, que um engenheiro da Ford, na altura, me justificou assim: “os travões são projetados para aguentar uma volta a fundo no Nürburgring…” cuja distância é mais ou menos os tais trinta quilómetros.

Conclusão

O Fiesta ST não é só um carro para ir dar aquela volta ao Domingo de manhã, cumpre mais do que os mínimos no plano familiar e é fácil de usar no dia-a-dia. O consumo de 18,0 litros aos 100 km que registei durante a sessão de condução rápida na montanha, sei que desce para menos de metade, numa condução cautelosa do dia-a-dia. O preço?… São 29 153 euros. Tendo em conta tudo aquilo que o Fiesta ST tem (o autoblocante faz parte do pacote Performance que custa 915 euros) não se pode dizer que seja caro, comparado com os concorrentes. Mas sempre são trinta mil euros…
Potência: 200 cv
Preço: 29 153 euros
Veredicto: 4,5 (0 a 5)

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